Pesquisa da Unesp analisa permanências e rupturas do jazz no Brasil

Estilo instrumental de origem norte-americana inspirou gerações de músicos brasileiros, mas também enfrentou inúmeras polêmicas e resistências, inclusive por parte de autoridades.

A delicada relação entre o Jazz e a música popular no Brasil é o tema de uma tese de doutorado desenvolvida na Unesp pelo pesquisador Renan Branco Ruiz. Ruiz integra o Grupo de Estudos Culturais da Unesp em Franca, e seu trabalho chama-se “O novo rumo para música popular”:  a Vanguarda Paulista Instrumental entre as permanências e rupturas do jazz no Brasil (1920 – 1980).

Com foco no movimento conhecido como Vanguarda Paulista Instrumental (VPI), formada pelas bandas Metalurgia (1982 – 1983), Pé Ante Pé (1979 – 1983), Divina Increnca (1980 – 1981), Pau Brasil (1978 – atual) e Grupo Um (1976 – 1984), o estudo visa fornecer indícios sobre as transformações ocorridas no desenvolvimento do jazz no Brasil durante o final dos anos 1970 e início dos 1980. Porém, a necessidade de abordar elementos históricos relevantes levou o autor a esboçar uma análise bem mais ampla.

A partir da incorporação de novas concepções para o universo da música popular, a VPI fundamentava suas propostas no experimentalismo das diásporas jazzísticas das décadas de setenta e oitenta, o que a colocava em atrito constante com as exigências mais fortes de brasilidade. Essa relação ambígua é o cerne das sonoridades e dos debates em torno da VPI. Mas o desenvolvimento e os atritos do jazz com a música brasileira podem ser notados desde o começo do século passado.

“Embora essas bandas sirvam como referência central na pesquisa, a VPI também explicita que o problema na relação entre jazz e música popular no Brasil é antigo. Isso remonta à presença de um conteúdo nacionalista, gestado no início do longo modernismo brasileiro (1920 – 1980) que impôs diversas barreiras ao desenvolvimento logístico e prejudicou a aceitação simbólica do jazz como parte da cultura musical brasileira. Pode-se notar a problemática desde a obra do Pixinguinha, passando pela Bossa Nova, até os tempos mais recentes”, explica Ruiz. “Desse modo, esta tese não se propôs a estudar somente a VPI, mas analisar, também, o engendramento dessa problemática, caracterizada pela oposição entre ímpeto experimental transnacional e a intenção de brasilidade, na formação da cultura musical brasileira durante o longo modernismo, em diálogo com as experiências jazzísticas realizadas no país”.

Com referência nas propostas do New Jazz Studies, sobretudo nas temáticas em torno das relações entre Jazz e Totalitarismo, o trabalho também examina as condições e os desdobramentos da problemática condutora da tese no período da ditadura militar brasileira (1964 – 1985). Foi durante o último terço do regime autoritário que a VPI viabilizou formas alternativas de inserir-se no mercado fonográfico brasileiro, a partir das soluções encontradas somente via produção musical independente. Tratando de temas ainda pouco explorados pela historiografia, o estudo realiza um balanço histórico e bibliográfico relevante sobre essa questão.

“O estudo conta com um capítulo específico sobre jazz e ditadura. Embora a música instrumental não tivesse o mesmo peso das canções com letras engajadas como temos na MPB, posso dizer que também não foi uma relação nada amistosa”, diz Ruiz. Ao contrário, houve casos como o do músico carioca Tenório Júnior, que foi morto por militares na Argentina em março de 1976, quando acompanhava Vinicius de Moraes e Toquinho num show em Buenos Aires”. “Segundo informações, Tenório desapareceu após deixar o hotel para comprar cigarros, lanches e nunca mais voltou. Foi detido como comunista, poucos dias antes do golpe militar argentino, torturado e morto. Como ele acompanhava artistas brasileiros engajados, associaram Tenório com ativistas políticos”, relata.

Vale destacar que,  para efetuas tais levantamentos, o autor recorreu a uma organização específica das temporalidades de acordo com os objetivos, os problemas e o recorte proposto. Tudo embasado em um corpus documental formado principalmente por periódicos impressos, entrevistas e discografia selecionada, além de uma extensa pesquisa bibliográfica.

Confira a entrevista completa no Podcast Unesp.

Foto acima: o trompetista norte-americano Dizzy Gillespie gravando um disco em São Paulo com o Trio Mocotó. Crédito: reprodução.