Em debate organizado pela Unesp, pesquisadores questionam flexibilização de medidas de combate à covid-19

Durante live organizada pelo Comitê Científico Unesp Covid 19, participantes dizem temer que liberação de uso de máscaras leve a efeito rebote e resulte em elevação de número de casos. Problemas no acesso à vacina em outros países e desconhecimento sobre novas variantes também dificultam vislumbrar fim da pandemia

Praças e shopping cheios, escolas e universidades retomando o ensino presencial, pessoas circulando pelas ruas sem máscaras… Diante da crescente suavização das regras de combate à covid-19 – 17 estados já flexibilizaram o uso de máscaras, por exemplo – já podemos dizer que a pandemia de covid-19 chegou ao fim? Esse questionamento embasou a mais recente edição do programa Unesp em Debate transmitido pela internet na terça-feira, dia 29. A live “E agora? A pandemia acabou?” foi uma ação do Comitê Científico Unesp Covid-19, em parceria com a Assessoria de Comunicação e Imprensa (ACI), com o objetivo de discutir o cenário atual da pandemia de covid-19 no Brasil.

Mediada pela jornalista da TV Unesp Mayra Ferreira, a transmissão teve como convidados o pesquisador Alexander Precioso, diretor do Núcleo de Segurança Clínica (Farmacovigilância e Farmacoepidemiologia) e Gestão de Riscos do Instituto Butantan em São Paulo; o professor Carlos Magno Fortaleza, infectologista da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu; e o professor Raul Borges Guimarães, especialista em geografia da saúde e pesquisador do Radar Covid-19 da Unesp em Presidente Prudente.

“Para mim, a pandemia não acabou”, declarou Alexander Precioso logo no início da transmissão, dando o tom do debate. Na visão do pesquisador, embora o Brasil esteja agora em uma situação epidemiológica bastante favorável, com cerca de 75% da população tendo recebido o esquema vacinal completo, a pandemia só chegará ao fim de fato quando a vacinação alcançar índices significativos em escala global. No entanto, ainda há países que apresentam baixa cobertura vacinal e dificuldade em acessar a vacina.

Carlos Fortaleza complementou dizendo que a flexibilização de medidas como a liberação do uso de máscaras dá à população a impressão de que estamos bem. “Mas, por outro lado, há um efeito rebote, em que as pessoas começam a se aglomerar, e então os casos voltam a aumentar.” Ele cita como exemplo a situação da África, que presenciou uma alta em relação aos casos de covid-19 recentemente.

O infectologista ainda ressaltou que outras condições devem ser consideradas além da vacinação. “Ainda vale aquela ideia de que a proteção contra a covid-19 é semelhante a uma série de fatias de queijo suíço. Cada fatia sozinha não funciona totalmente; a vacina tem furos, a máscara tem furos, a não aglomeração tem furos… Quando você junta todas, os furos se anulam”, exemplificou.

A liderança governamental também é um importante fator para garantir a efetividade dessas medidas. O professor Raul Guimarães classifica a forte mobilização antivacina que engajou parte da população brasileira como uma espécie de manifestação necropolítica, que gerou consequências como baixa cobertura vacinal entre as crianças. “Há falta de liderança do governo federal nessa área. O país sempre obteve reconhecimento internacional nesse campo através de feitos como a erradicação da poliomielite, que foi exemplo no mundo inteiro”, afirma.

Outro ponto muito citado pelos cientistas durante a live é a questão da equidade. Para o diretor do Instituto Butantan, é mais importante que a maior quantidade possível de pessoas complete o esquema vacinal de 3 doses do que dar início à aplicação da quarta dose. Fortaleza explica que a baixa cobertura vacinal abre espaço para que novas variantes surjam, e que é necessário disponibilizar vacinas, de forma acessível, para toda a população ao redor do mundo.

Raul Guimarães também ressaltou o caráter estratégico da geografia como um instrumento muito importante para desenvolver políticas mais focais, que diminuam as desigualdades provocadas pela pandemia. Como exemplo, ele fala sobre a necessidade de políticas de saúde voltadas à população em situação de rua: “São eles que estão nessa situação de subnotificação, que tende a ser mais invisibilizada”.

A live “E agora? A pandemia acabou?” também trouxe espaço para desmentir algumas questões acerca da pandemia de covid-19, assim como responder perguntas dos espectadores. Em relação à diferença na imunidade desenvolvida pela vacinação e a pela contaminação com o vírus, Precioso comenta, que, no geral, há mais ou menos um consenso na comunidade científica de que a imunidade desencadeada pela vacina dura mais do que a natural. “Nós temos considerado que essas vacinas são de 1ª geração, e que novas vacinas serão desenvolvidas para manter uma imunidade mais permanente e mais efetiva”, pontua Fortaleza.

Quanto à prática de desinfecção de itens de uso cotidiano, como alimentos e roupas, hábito que se popularizou durante o período de pandemia, o professor da Unesp em Botucatu lembrou que, conforme já citado pela revista Nature diversas vezes, a covid-19 se transmite apenas pelo ar. As medidas realmente efetivas incluem uso de máscaras em lugares de risco, evitar aglomerações e higienização das mãos.

Em relação ao futuro do cenário pandêmico, e a crescente discussão em torno de uma possível alteração no status da covid-19 para o estado de endemia, Precioso diz que “ainda é difícil dar uma resposta final, pois há a questão das novas variantes. Não sabemos como será o comportamento delas, mas não é algo que dá para bater o martelo agora”. Ele também mencionou a possibilidade do surgimento de novos tipos de vacina contra a covid-19, lembrando que há iniciativas como a criação de uma vacina inalatória, que está sendo buscada inclusive por parte de grupos de pesquisa brasileiros ligados à Universidade de São Paulo (USP).

Quanto à possibilidade da continuidade na utilização de máscaras mesmo após o fim da pandemia de covid-19, prática comum em países como Japão e China, Carlos Fortaleza levanta preocupações em relação ao aspecto ecológico, já que a máscara representa um resíduo. “Enquanto não tivermos de fato máscaras reutilizáveis, insistir no uso de máscara vai gerar catástrofes no futuro”, disse.

Ao final da live, a mensagem dos pesquisadores foi apenas uma: a importância de se insistir em programas eficazes de testagem, para evitar novas surpresas no futuro. “Essa testagem ajuda a gente a enxergar essas rotas de transmissão, como o vírus se comporta (…) Eu acho que a gente tem tecnologia para isso, modelagem matemática, é preciso avançar nesses modelos”, disse Raul Guimarães. Carlos Fortaleza finalizou: “Certamente, nós sairemos da pandemia de covid-19 com muito mais tecnologia, conhecimento e ideias para prevenir uma próxima pandemia muito fatal”.

Clique abaixo para assistir à íntegra do programa.