Paulo Talarico, Renan Omura, Cleberson Santos
Prefeituras governadas pelo PL (Partido Liberal), novo partido de Jair Bolsonaro, estão entre as que mais receberam verbas das emendas do relator, o chamado orçamento secreto, na Grande São Paulo.
Enquanto Ribeirão Pires e Suzano passaram dos R$ 25 milhões em recursos para obras, outros municípios mais populosos não passaram dos R$ 500 mil.
Levantamento da Agência Mural com base na divulgação dos recursos da emenda de relator indica uma distribuição desigual de recursos pela região metropolitana. Além do PL, cidades governadas pelo PSD e Podemos também aparecem na frente.
As administrações do PSDB receberam menos recursos, apesar de possuírem o maior número de prefeituras. Em valores inteiros, o MDB recebeu mais, porém, a sigla comanda a cidade de São Paulo, que possui a maior população.
Esse tipo de emenda tem sido discutida desde a revelação de que deputados e senadores estavam decidindo para onde enviar dinheiro público sem terem os nomes divulgados – a história foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Com a falta de transparência, a conduta ganhou o nome de orçamento secreto.
Na prática, é como o governo federal tem garantido apoio no Congresso Nacional, com deputados e senadores possibilitando o envio de verbas extras para suas bases — mas sem informar o quanto e para onde destinaram.
“Geralmente as emendas saem junto com um projeto apresentado pelos deputados, então você consegue cruzar, saber quem pediu, quem executou aquela emenda e para qual projeto aquela emenda está sendo requerida”, explica o cientista político Vitor Marchetti, sobre o antigo formato.
A gente perdeu muito em transparência orçamentária, tudo que a gente tinha de informação se perdeu, inclusive do projeto.
Vitor Marchetti
Com a repercussão do caso e uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal), a Câmara dos Deputados adotou algumas medidas para a divulgação dos dados. As cidades contempladas foram reveladas, mas ainda sem os nomes dos parlamentares.
Repasse desigual
Na Grande São Paulo, foram R$ 273 milhões empenhados entre 2020 e 2021 em 38 municípios da região – apenas São Caetano do Sul não recebeu dinheiro pelo mecanismo. A diferença entre os repasses pode indicar um favorecimento a municípios governados por aliados do presidente.
Uma delas é Ribeirão Pires, no ABC Paulista. O município recebeu um total de R$ 25 milhões e proporcionalmente é a mais beneficiada por essas verbas – cerca de R$ 205 por morador. Numa comparação, a cidade de São Paulo recebeu mais de R$ 74 milhões, mas isso é o equivalente a R$ 6 por habitante.
Ribeirão Pires é governada por Clóvis Volpi, do PL, desde o começo de 2021. Apesar de fazer parte do novo partido do presidente Jair Bolsonaro, a gestão nega ter sido beneficiada pela relação. “Na época do envio da emenda parlamentar, não havia discussão ou convite para que o presidente se filiasse ao PL”, diz nota da prefeitura.
Segundo a gestão, os recursos foram enviados por emendas obtidas pelo partido e foram conquistados por “meio de articulação pessoal do prefeito Clóvis Volpi com o [ex-]deputado federal Valdemar Costa Neto”.
Presidente nacional do PL, Valdemar foi um dos principais articuladores da vinda de Bolsonaro ao PL, e, mesmo sem mandato, é considerado um dos principais líderes do Centrão, grupo de partidos que sustentam o governo.
Os recursos para Ribeirão em geral são para obras de infraestrutura viária em bairros como o Jardim Aprazível, Rancho Alegre, Jardim Luzitano, Jardim Santista, Vila Industrial e no bairro Santa Luzia. A prefeitura não respondeu se há previsão para a implantação desses projetos.
Considerada uma Estância Turística, Ribeirão Pires possui 125 mil habitantes e foi a cidade que mais recebeu emendas do relator em todo o ABC, à frente de São Bernardo do Campo, onde vivem 800 mil pessoas e foram destinados R$ 1,5 milhão. O município é governado por Orlando Morando (PSDB), aliado de João Doria, rival de Bolsonaro.
“Certamente esses movimentos políticos do governador acabaram respingando também nessa distribuição de recursos para as cidades que claramente tinham mais alinhamento com a política do governador”, ressalta o cientista político.
Contudo, nem sempre apenas a questão partidária conta. Mauá, por exemplo, administrada pelo PT, recebeu R$ 13 milhões e é a segunda com mais repasses na região. Porém, foi uma exceção na região. Também administrada pelo PT, Diadema recebeu R$ 3 milhões.
Avenida premiada
O PL é a segunda sigla que mais administra prefeituras (oito no total) na região metropolitana, e fica atrás apenas do PSDB (com 11). O partido tem histórico forte no Alto Tietê, região onde fica Mogi das Cruzes, domicílio eleitoral de Valdemar Costa Neto.
É nessa região onde aparece a segunda cidade que mais recebeu verbas proporcionalmente: Suzano, governada por Rodrigo Ashiuchi (PL). A administração suzanense recebeu R$ 33 milhões.
Os recursos foram articulados pelos deputados federais André do Prado e Marcio Alvino, ambos do PL, segundo a prefeitura.
Boa parte do dinheiro é para obras na região da Avenida Senador Roberto Simonsen, no centro do município. A via é bastante movimentada e concede acesso ao Parque Municipal Max Feffer, ao Sesi Suzano e à Avenida Brasil, rua que faz conexão com Poá, município vizinho.
Para o aposentado Alvani Gomes da Silva, 64, morador do bairro Jardim Imperador, a verba é bem-vinda, desde que seja utilizada para prolongar a Avenida Roberto Simonsen até a Estrada Santa Mônica. “Se a prefeitura ampliar a avenida, facilitaria muito o acesso dos moradores a parte oeste da cidade”, afirma.
O aposentado Demilson Peixoto, 49, morador do bairro Jardim Imperador, concorda que sejam feitas intervenções na via, pois isso beneficiará os comerciantes locais, porém ele ressalta que o valor destinado é bastante alto.
Para mim, seria mais sensato investir essas verbas no setor de saúde. Por mais que a prefeitura fale que já esteja sendo aplicada, acho que a saúde é o mais importante.
Demilson Peixoto, morador de Suzano
A prefeitura suzanense também negou que a influência relação com a aliança para a chegada de recursos. “Foram articulados anteriormente à filiação do presidente. Além disso, é importante reforçar que a administração municipal segue aberta ao diálogo e articulações com demais siglas políticas, a fim de garantir investimentos benéficos ao desenvolvimento da cidade.”
A gestão afirma que parte do investimento já foi aplicada na área da saúde e que outra parte aguarda a tramitação junto a órgãos técnicos.
O governo federal emitiu algumas regras, afirmando que a distribuição dos recursos leva em conta o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos municípios, a quantidade de pessoas vivendo em favelas, entre outros pontos. No entanto, numa comparação com cidades em situação semelhante, a situação não foi seguida.
Em Poá, por exemplo, região que tem 120 mil habitantes, foram cerca de R$ 18 investidos por habitante e em Jandira R$ 2,35 — as duas são governadas pelo PSDB.
Prefeituras administradas por outras siglas também apareceram com destaque. Uma delas é Cotia, governada por Rogerio Franco (PSD) e Taboão da Serra, administrada por Aprigio (Podemos). Procuradas, as prefeituras não retornaram ao contato da reportagem.
Marcheti aponta que o repasse de forma desigual acontecia antes do orçamento secreto e era até natural, por conta das alianças políticas. No entanto, o cenário se agravou, porque se perdeu a capacidade de controlar esse tipo de repasse.
“O parlamentar sempre tem interesse em levar recursos para a sua região porque isso faz o parlamentar ganhar mais capital eleitoral, ele aumenta suas chances de se reeleger quando ele leva recursos para ser aplicados numa determinada região que pode lhe render votos”, aponta Vitor.
A Câmara dos Deputados divulgou que 4.838 prefeituras, de todos os partidos, foram beneficiadas por emendas de relator, e que houve repasses para cidades governadas por legendas de oposição.
“O número equivale a 87% de todos os municípios brasileiros. Também receberam recursos de emendas de relator 659 das 816 prefeituras que pertencem a partidos de oposição (PDT, PSB, PT, PCdoB, PSOL e REDE), o que corresponde a 81%”.
Da Saúde à gasolina
Ao olhar onde foram destinados os gastos, a Grande São Paulo recebeu verbas para apoiar os serviços de saúde, obras de infraestrutura, mas também em manutenção de veículos e compra de gasolina.
Em Santana de Parnaíba, na região oeste, a administração municipal teve aprovados 63 emendas num total de R$ 723 mil para custear a manutenção de automóveis. Para a saúde, a cidade recebeu R$ 250 mil. Na vizinha Barueri, foram R$ 157 mil para combustíveis e manutenção.
As duas gestões não responderam sobre como deputados propuseram via emenda do relator recursos para pagar gasolina e combustíveis e a necessidade desses recursos. Também não responderam se foram preteridas do recebimento de emendas – as duas receberam menos de R$ 1 milhão e são governadas por Marcos Tonho e Rubens Furlan, do PSDB.
Quando se olha a Grande São Paulo como um todo, mais da metade dos recursos foram para a saúde, o que é natural tendo em vista a pandemia de Covid-19. No entanto, há pouco detalhamento de onde os recursos foram investidos no setor.
“É compra de ambulância, o que que é? A gente perdeu muito em transparência com o orçamento secreto. E perder em transparência abre, certamente, uma janela importante para relações escusas, que não ficam muito transparentes e evidentes porque [vai] para um e não para o outro”, completa Marchetti. “É a transparência que garante fiscalização e controle, coisa que se perdeu com a emenda do relator.”
Reportagem publicada originalmente pela Agência Mural de Jornalismo das Periferias e reproduzida por meio de parceria de conteúdo com o Jornal da Unesp.