O papel instrumental que as florestas podem desempenhar no combate ao aquecimento global já é bem conhecido pela ciência; elas podem “sequestrar” grandes quantidades de carbono da atmosfera, retendo-as no solo na forma de biomassa e diminuindo assim a concentração de dióxido de carbono, um dos gases indutores do efeito estufa. Mas qual pode ser a contribuição da fauna selvagem que habita as florestas para este processo — e, por extensão, para o combate à mudança climática? Um estudo conduzido por pesquisadores da Unesp e da Colômbia examinou o comportamento de algumas espécies de bichos frugívoros, isto é, que se alimentam de frutos.
Animais frugívoros podem eliminar, em suas fezes, as sementes intactas das espécies vegetais que compõem sua alimentação. Desta forma, prestam um importantíssimo serviço ambiental, contribuindo enormemente para a disseminação de novas plantas e a manutenção dos ecossistemas. O novo estudo investiga a forma como estes dois serviços ambientais se articulam e procura, pela primeira vez, estimar qual pode ser o valor econômico da presença destes animais na floresta, tendo como referência os preços praticados no mercado voluntário de carbono.
O mercado voluntário de carbono foi criado na esteira do Protocolo de Kyoto com o objetivo de tentar reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa. De forma simplificada, este mercado permite que empresas possam neutralizar suas emissões de gases comprando créditos de carbono, por exemplo, de áreas preservadas.
Para calcular o valor deste serviço, os pesquisadores consideraram o impacto de três espécies de frugívoros (dois primatas, o muriqui e o bugio, e uma ave, a jacutinga) na dispersão e sucesso na germinação das sementes da Cryptocarya mandioccana, árvore nativa da Mata Atlântica também conhecida como canela-inhutinga. Por serem animais de grande porte, eles se alimentam de sementes também grandes, justamente aquelas que dão origem às árvores mais lenhosas e, portanto, com maior capacidade de sequestrar o carbono na floresta.
Os dados de campo sobre este recrutamento de sementes foram obtidos a partir do pós-doc da professora Laurence Culot, do câmpus da Unesp em Rio Claro, publicado na forma de artigo, em 2017. O estudo identificou ainda que a perda dessa fauna frugívora colabora para o aumento da população de predadores, em geral roedores, que ao contrário dos frugívoros, ao se alimentarem das sementes não permitem a sua germinação.
Com esses dados em mãos foi possível avaliar, a partir de simulações, a perda do estoque de carbono que poderia ser sequestrado pelas árvores que não foram dispersas pelos frugívoros, uma investigação realizada durante o projeto de doutorado da pesquisadora Carolina Bello, no Programa de Ecologia da Unesp. O cálculo econômico da perda do estoque de carbono se baseou em valores correntes do mercado de carbono e teve a colaboração do professor Cesar Muniz, da Universidade Jorge Tadeo Lozano, da Colômbia, especialista que há 15 anos trabalha com economia ecológica.
“Um dos méritos desse artigo é juntar diferentes expertises e trabalhos para calcular um valor econômico nos serviços ecossistêmicos promovidos por esses grandes animais”, explica Laurence. O artigo publicado na revista Ecosystem Services calcula que a perda da fauna implica em uma redução de 3,5% do carbono sequestrado, com um impacto econômico que variou de US$ 3,94 até US$ 15,42 por hectare ao ano.
Contribuição de apenas três espécies numa só área pode chegar a US$ 500 mil
Para a docente do câmpus de Rio Claro, embora os valores em si possam parecer pequenos, quando se considera toda a área do Parque Carlos Botelho, no interior de São Paulo, onde foi realizado o campo, o valor alcança cerca de meio milhão de dólares ao ano. “E isso representa apenas o papel de três espécies como dispersoras de sementes de árvores grandes. Devemos considerar que estes animais também realizam outros serviços ambientais e que naquela área existem outras espécies”, afirma.
A defaunação dos dispersores de sementes no sequestro de carbono é crucial nas florestas tropicais, uma vez que os frugívoros são responsáveis por dispersar de 70 a 94% das espécies de plantas lenhosas e onde aproximadamente 59% do carbono florestal do mundo é armazenado acima do solo.
Hoje realizando um pós-doc no Instituto Federal Suíço para Pesquisas em Floresta, Neve e Paisagem (WSL), Carolina Bello destaca que a perda de uma floresta pode ser “vista” por satélites, mas monitorar os animais que vivem nela é mais difícil. “Um dos aportes deste artigo é dar um valor ao papel silencioso dos animais que nós não vemos tão facilmente. Se queremos manter a funcionalidade das florestas, devemos ter uma visão completa dos processos que ocorrem nas matas, considerando os animais”, afirma a pesquisadora colombiana, lembrando que também são justamente os grandes animais as maiores vítimas da caça e do tráfico.
Atribuir um valor ao trabalho silencioso realizado pelos frugívoros na floresta é papel da ecologia econômica. Para Cesar Ruiz, o uso da linguagem econômica pode não ser a forma mais completa de valorar tais serviços, mas é eficaz em comunicar a importância de determinados processos ecossistêmicos para proprietários de terra, formuladores de leis ou tomadores de decisão, por exemplo. Ao mesmo tempo, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que as políticas voltadas à mitigação das emissões de carbono, bem como as metodologias para determinar o sequestro de carbono em florestas ou propriedades rurais não considera interações e serviços ecossistêmicos como estes realizados pelos grandes frugívoros.
Para Laurence Culot, a importância da dispersão de sementes ainda é pouco avaliada e atribuir um valor a esse serviço ecossistêmico pode ser um dos caminhos para esclarecer sobre a importância da preservação da fauna nas florestas. “Uma floresta vazia é uma floresta doente porque a ausência desses animais vai comprometer a sua composição e essa floresta vai perder o seu valor econômico ao longo do tempo”, argumenta.