Duas professoras da Unesp foram reconhecidas neste ano por suas trajetórias acadêmico-científicas e suas atuações sociais em premiações internacionais. Em outubro, a farmacêutica Vanderlan Bolzani, do Instituto de Química do câmpus de Araraquara, recebeu um reconhecimento especial na categoria “liderança” no Concurso de Mulheres em Química da América Latina, promovido pela Sociedade Americana de Química (ACS) e pela Federação Latino-Americana de Associações de Química (FLAQ). Em setembro, a física Hilda Alicia Cerdeira, docente voluntária do Instituto de Física Teórica do câmpus de São Paulo, recebeu o prêmio internacional Spirit of Abdus Salam de 2021, em razão de sua atuação para a democratização do acesso à literatura científica em países menos desenvolvidos.
Em comum, Vanderlan Bolzani e Hilda Cerdeira possuem percursos marcados por vivências sociais que as mantiveram conectadas com a realidade que cerca o fazer científico. Atual presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), Bolzani vem ocupando há anos posições de destaque em entidades representativas das áreas em que atua, já foi vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e levanta a bandeira pela igualdade de gênero na ciência. “Se você faz com que, desde cedo, os meninos e as meninas tenham atividades similares e desenvolvam a capacidade cerebral igualmente, eles vão crescer de mãos dadas e construir um mundo melhor que nós almejamos, um mundo de homens e mulheres”, afirma Bolzani, referência nacional em pesquisa em química de produtos naturais.
Hilda Cerdeira, uma pesquisadora voltada à área da supercondutividade e dinâmica de sistemas não lineares, foi distinguida com o prêmio Spirit of Abdus Salam por sua dedicação em garantir aos cientistas, não importa onde vivam e trabalhem, condições de acesso à literatura científica a partir do desenvolvimento do eJournals Delivery Service. A ferramenta permite que cientistas ligados a instituições de países menos desenvolvidos tenham acesso de forma gratuita à literatura científica, em especial nos campos da física e da matemática. “O acesso à literatura científica é muito importante, a única maneira pela qual se pode desenvolver um país”, afirma a professora, que já fez parte do Abdus Salam International Centre for Theoretical Physics (ICTP) e colabora com a Sociedade Americana de Física e a World Innovation Foundation.
A criação do eJournals Delivery Service teve seu início em 1998, após uma visita de Hilda Cerdeira à Mongólia para ministrar um seminário em que percebeu a necessidade de rever alguns conceitos de física para o público presente. Com o auxílio de outros profissionais, ela desenvolveu a ferramenta quando a internet ainda engatinhava: artigos científicos eram enviados como anexos de e-mail para chegarem àqueles que não tinham banda larga suficiente ou à disposição para baixar o material. Apesar de atualmente ser menos utilizado, o serviço representou um avanço na democratização do acesso à literatura, hoje também viabilizado por outras ferramentas. “Sigo trabalhando com pessoas da região subsaariana que muitas vezes não têm luz”, pontuou a docente em entrevista a uma TV da Argentina, seu país natal, exemplificando as dificuldades de cientistas de países menos desenvolvidos.
O prêmio que guarda os ideais de Abdus Salam, um cientista notório que venceu o Nobel de física, é um reconhecimento ao espírito humanitário que permeou a trajetória de Hilda Cerdeira. “Não é um prêmio sobre a física que você faz. É um prêmio à solidariedade, um prêmio por ajudar ao desenvolvimento da ciência em algum lugar”, diz a docente.
Vanderlan Bolzani, antes do reconhecimento recente como “liderança científica”, já recebera uma série de prêmios destinados a pesquisadores com atuação destacada no campo da química, como o Prêmio Kurt Politzer de Tecnologia, a Medalha Otto Gottlieb e o título de comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico. “Eu me sinto extremamente realizada pela carreira que escolhi. Foi uma escolha minha, mesmo sendo nordestina de uma época em que os pais achavam que os filhos tinham que ser médicos, engenheiros ou advogados”, diz Bolzani, que é paraibana e está no quadro docente da Unesp desde 1980.
Em relação à promoção da igualdade de gênero, em especial na área das ciências exatas, a professora ressalta a importância de se abordar a temática de modo amplo, com o objetivo de ressignificar questões culturais e estimular a implementação de políticas públicas relacionadas à temática. “O ambiente acadêmico e as instituições de ensino e pesquisa são o ambiente mais propício a ter ações para minimizar essa desigualdade (de gênero)”, acredita Vanderlan Bolzani.