Iniciativa inédita na Unesp capitaneada pela Assessoria de Comunicação e Imprensa (ACI) neste 2021, o ano de número 2 (e último, espera-se) da pandemia de covid-19, o concurso de contos e crônicas “Para não esquecer: literatura da pandemia” desempenhou bem o papel que lhe coube de dar vazão a medos, angústias, ansiedades e diversos outros tipos de sentimentos que emergiram de uma rotina com menos contatos físicos, falas ao pé do ouvido, abraços, beijos etc.
“Penso que os textos que recebemos, além de extravasarem sentimentos, refletiram bem o momento dramático pelo qual a sociedade passou e os tempos que estamos vivendo. Nesse sentido, o concurso cumpriu com o seu objetivo”, analisa o professor José Paes de Almeida Nogueira Pinto, assessor da ACI da Unesp e um dos organizadores da iniciativa.
Idealizado e executado em parceria com a Fundação Editora Unesp e a Pró-Reitoria de Extensão Universitária e Cultura (Proec), o concurso de contos e crônicas selecionou 32 dos 264 textos literários inscritos. A publicação pela Editora Unesp dos 15 contos e 17 crônicas selecionados, todos inéditos, está planejada para ocorrer no primeiro trimestre de 2022. Todos segmentos da comunidade universitária participaram da iniciativa.
Vencedores do concurso, a doutoranda Flávia Mantovani (FCHS), de 32 anos, autora da crônica “Arquivos e drives: memórias na pandemia”, e o professor Marcio Scheel (Ibilce), de 43 anos, que escreveu o conto “Fragmentos de um diário da epidemia”, serão formalmente premiados nesta quinta-feira (21) na abertura da próxima reunião do Conselho Universitário, instância máxima da Universidade.
Flávia Mantovani está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (câmpus de Franca), no qual estuda a escritora Cassandra Rios, uma das autoras mais censuradas durante a Ditadura militar (1964-1985). Marcio Scheel é docente do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (câmpus de São José do Rio Preto), com experiência na área de Letras, ênfase em Teoria Literária.
No último dia 24, o Jornal da Unesp reuniu Flávia, que chegou à Unesp há três anos para o doutorado, e Marcio, há 11 anos lecionando na Universidade, para uma conversa virtual informal, norteada pelos temas que batizaram o concurso: pandemia, memória e literatura.
Jornal da Unesp: Voltando um pouco à percepção que tiveram no lançamento do concurso, vocês enxergaram ali um espaço para algo que queriam dizer naquele momento ou para dar vazão a uma produção textual que já fazia parte da rotina de vocês na pandemia?
Flavia Mantovani: Vi a notícia por e-mail e fiquei com vontade de participar. Eu não tinha nada escrito com esse tema. Então eu pensei “bom, eu não sei escrever contos, quero participar e me encaixo na crônica”. Aí pensei na ideia de produzir o texto para o concurso. Talvez o Marcio já estivesse mais debruçado no assunto…
Marcio Scheel: Como a Flávia, vi a divulgação do concurso pelo email institucional. Publiquei um longo ensaio no primeiro semestre do ano passado que se chama “Dos meios de viver a morte ou a arte em tempos de pandemia”. Como estávamos trabalhando em casa, todos isolados, acabei relendo coisas relacionadas direta ou indiretamente ao assunto, como “A Peste”, de Albert Camus, “A morte de Ivan Ilitch”, do Tolstói… Acabei escrevendo um ensaio sobre essas relações entre literatura, doença, morte, contextualizando o problema da pandemia. Quando vi o edital, não tinha nada escrito porque nunca tinha fantasiado uma situação dessa, menos ainda vivido. Acabei pensando em escrever um conto que, de alguma forma, fosse uma resposta ficcional ao próprio ensaio.
Flávia: Fiquei interessada nesse ensaio porque é bem isso mesmo. Acho que na pandemia a gente aflorou isso de alguma forma, pela literatura. Mesmo pessoas que não tinham uma relação muito íntima com a escrita, com publicação (de textos). Isso veio muito forte. Por isso a ideia do concurso foi legal.
Jornal da Unesp: A pandemia trouxe uma situação nova e, de forma geral, teve potencial para alterar um pouco o estado psicológico das pessoas. Escrever ajudou vocês a elaborarem sobre o momento, foi importante nesse sentido?
Marcio: Como eu disse para a TV Unesp, de certa maneira, escrever o conto usando a música (Resposta ao tempo) do Aldir Blanc (morto em decorrência da covid-19 em maio de 2020, aos 73 anos) como exemplo foi uma resposta ao tempo porque a gente se vê, de repente, sitiado, cercado, infelizmente, reféns porque sequestrados pelo vírus, pela pandemia, por um governo inepto, ineficiente. Mais do que negacionista, criminoso e, de repente, imagino que os estudiosos, pesquisadores, as pessoas comuns se igualaram numa espécie de mesma incerteza, mesmas dúvidas em relação às circunstâncias. Assim, o conto foi uma forma de tentar entender esse episódio. A gente escreve para se ouvir e para tentar entender as próprias dúvidas em relação aos acontecimentos. A morte, o luto, a tristeza que isso implicou. Uma morte e um luto coletivo. É uma experiência dolorosa para as pessoas que têm algum compromisso com o mundo, como diria Hannah Arendt.
Como estávamos trabalhando em casa, todos isolados, acabei relendo coisas relacionadas direta ou indiretamente ao assunto, como “A Peste”, de Albert Camus, “A morte de Ivan Ilitch”, do Tolstói… Acabei escrevendo um ensaio sobre essas relações entre literatura, doença, morte, contextualizando o problema da pandemia. (…) Acabei pensando em escrever um conto que, de alguma forma, fosse uma resposta ficcional ao próprio ensaio
Marcio Scheel
Jornal da Unesp: E para você, Flávia?
Flavia: Ajudou. Participar de um concurso é uma hora que você vai se pôr à prova. Será que consigo escrever? Será que consigo elaborar tudo isso? Porque, de certa forma, tornar público um escrito, mesmo um conto ficcional ou uma crônica, é algo sério, para o outro. Fiquei bastante isolada. Sou doutoranda e a pesquisa de doutorado já é bastante solitária. A pandemia acirrou essa solidão pra mim. Escrever sozinha e ler para mim mesma é uma coisa. Agora, elaborar para falar para o outro realmente foi um desafio. Isso ajudou a lidar com essa solidão, com a experiência de estar estudando nesse momento, sozinha, de casa, sem poder fazer reuniões com a orientadora, sem poder ir às aulas presenciais. Sim, acho que a arte, a literatura principalmente, ajuda muito na saúde mental. Eu, por exemplo, fazia teatro antes da pandemia e não pude mais, por ser presencial. Então, o que me sobrou foi papel, caneta e a palavra. Ajudou muito a lidar com esse momento, com essas dores e, num sentido público, eu falo bastante na crônica, com essa situação, o que é essa tragédia… Tragédia, não. Porque dá uma sensação de que não poderia ter sido evitada, mas há uma irresponsabilidade. Poderia ter sido evitado muita coisa.
Marcio: E a linguagem na literatura também nos permite tirar a compreensão da doença dos domínios de uma linguagem puramente técnica. Passamos mais de um ano vendo especialistas, médicos, pesquisadores, cientistas… Claro que o trabalho deles é importante, mas a descrição deles do fenômeno é a partir de uma linguagem que é, digamos assim, metafisicamente pobre — com toda a razão, porque é uma linguagem científica. Mas é uma linguagem sem consolo, uma linguagem instrumental, técnica, sob o controle da explicação científica. Em muitos casos, me parece ter ajudado muito a gerar pânico, sobretudo no começo da cobertura, porque tinha sempre aquele tom catastrófico. Claro que era algo grave, mas era sempre um tom no limite do sensacionalismo. A linguagem literária fornece uma outra possibilidade de compreensão das coisas, mais emocional, mais humanista.
Jornal da Unesp: Marcio, você acredita que, em certo sentido, houve um alarmismo?
Marcio: Houve em um primeiro momento, sobretudo nos meses iniciais, porque eu trabalho com a TV ligada nos telejornais… Acho que ocorreu uma espécie de superinformação. E é inevitável que isso cause alarmismo. Era um excesso de informações. A imprensa tentando, como os próprios cientistas, compreender o que era o fenômeno e o que estava acontecendo de fato. Isso alarma as pessoas e, num determinado momento, o tom da cobertura, digamos assim, era menos sóbrio e um pouco mais sensacionalista, um pouco mais exagerado. Não estou dizendo que a doença não fosse grave, que a disseminação não era grave. As circunstâncias são graves até agora. Temos quase 600 mil mortos. Mas, num primeiro momento, a cobertura teve um excesso de informações que inevitavelmente causa mais alarme, mais medo e mais incerteza do que informação, compreensão do fato. Inclusive porque tem essa questão de falta de tempo ou de distanciamento entre a notícia e a sua compreensão. Imagine 24 horas por dia de uma mesma cobertura, ouvindo diferentes pessoas e apresentando diferentes aspectos, sem que as pessoas tenham o tempo necessário para refletir ou para se distanciar um pouco da notícia e colocá-la numa perspectiva mais racional, mais crítica, mais compreensiva em termos de conhecimento. O pressuposto era de que as pessoas estavam absorvendo aquele excesso de informação e conhecendo mais, mas o conhecimento exige um certo distanciamento.
Imagine 24 horas por dia de uma mesma cobertura, ouvindo diferentes pessoas e apresentando diferentes aspectos, sem que as pessoas tenham o tempo necessário para refletir ou para se distanciar um pouco da notícia e colocá-la numa perspectiva mais racional, mais crítica, mais compreensiva em termos de conhecimento. O pressuposto era de que as pessoas estavam absorvendo aquele excesso de informação e conhecendo mais, mas o conhecimento exige um certo distanciamento.
Marcio Scheel
Jornal da Unesp: Essa é então uma crítica mais à imprensa do que aos cientistas?
Marcio: Sim, acho que os cientistas desempenharam o papel deles: foram aos veículos de comunicação e apresentaram os seus estudos, as suas pesquisas, os seus trabalhos, a função da ciência é apresentar conhecimento. Mas o conhecimento técnico que a imprensa apresentava exigia que a pessoa tivesse um tempo para refletir sobre aquilo, pensar sobre aquilo, tentar colocar aquilo num contexto mais concreto, material da própria vida. O que a cobertura, nos primeiros quatro meses, sequer permitiu. A gente ficou mais de um mês numa disputa diária sobre se devia ou não usar máscaras. Foi um horror porque atrasou em um mês e meio o uso da máscara, uma forma efetiva de contribuir com a redução da contaminação.
Jornal da Unesp: Flávia, de uma perspectiva histórica, como você viu essa cobertura massiva da mídia e essas questões levantadas pelo Marcio?
Flávia: Vou falar do ponto de vista pessoal porque, como historiadora, eu precisaria tomar um distanciamento, olhar os veículos e confesso que assisto pouco à TV, leio poucas notícias. Senti que faltou realmente uma hegemonia de um veículo oficial comunicando, orientando… A mídia e os jornais acabam tomando esse espaço e aí realmente esse tom, um pouco sensacionalista talvez, não ajuda. Não sei o quanto isso é decisivo no enfrentamento da pandemia, mas a informação é fundamental… A informação correta e segura é fundamental. O uso de máscaras, perfeito, é um bom exemplo. Tivemos que, em muitas cidades, aplicar multas. Vamos multar quem estiver sem máscaras na rua… É interessante que não me lembro muito bem desses primeiros três meses da pandemia e dessa cobertura, mas a sensação que tenho é que faltou uma diretriz.
Jornal da Unesp: Márcio, o seu conto que venceu o concurso é um diário sobre o vírus nos primeiros meses da pandemia. Como seria esse seu diário hoje, um ano e meio depois?
Marcio: O meu conto é um diário que existe mesmo, que eu escrevi durante a quarentena, desde o início, e que dialoga com o vírus em formato irônico, formato de diário infantil. Cada entrada começa com “querido vírus”. É triste dizer isso, mas tenho impressão que, se eu tivesse continuado o diário até hoje, seria o mesmo diário, com as mesmas entradas, registrando os mesmos problemas, os problemas de uma gestão federal inepta, às vezes até criminosa, no modo como incentivou as pessoas a se aglomerar, a sair de casa, não usar máscaras, o que para mim é um crime.
Jornal da Unesp: Uma forte visão crítica, mais combativa, está exposta nos textos. Vocês têm uma admiração por esse tipo de literatura ou foi uma forma de expressão que se moldou ao momento?
Flávia: Como sou da área de história, não tenho relação tão íntima com a literatura há tanto tempo. Não tenho megabagagem de leitura, dos clássicos, mas gosto, e isso acabou transparecendo na crônica, de leituras que de alguma forma trazem um olhar sobre a sociedade e nos tiram da zona de conforto.
Marcio: Gosto muito dessa literatura. Não vou usar o termo “engajada”, porque engajamento em literatura quase sempre termina em panfleto. Mas gosto muito de uma literatura de intervenção. Os autores que mais leio ou que fazem parte de um grupo de escritores do meu interesse pessoal, quase todos, praticam um tipo de literatura de intervenção, que olha para o mundo em que vivem, para o contexto e tenta dar uma resposta para esse mundo. Simone de Beauvoir, Virgínia Woolf, Albert Camus, Dostoiévski no Século 19, Flaubert — que as pessoas curiosamente hoje acusam de ser um escritor burguês, o que ele era, mas poucos descreveram tão bem o espírito das revoluções burguesas quanto Flaubert nos seus romances. Rubem Fonseca, Caio Fernando Abreu, Lygia Fagundes Telles… O meu escritor brasileiro preferido talvez seja o Graciliano Ramos. De todos, foi o que mais usou a literatura como um instrumento de intervenção crítica sobre a realidade. Gosto muito de uma arte que desaliene também.
Flávia: Pesquiso a Cassandra Rios e cheguei até ela procurando as mulheres na literatura. A gente não pode dizer que é sempre uma escrita feminista, mas já é um olhar de, talvez, intervenção, crítica do mundo heteronormativo, machista. O professor citou o Caio Fernando Abreu e encontrei Caio Fernando Abreu e me dediquei a lê-lo nessa pandemia. Acho que “Morangos Mofados” tem um pouco disso, de sintetizar o espírito de uma época. Fiquei triste com a leitura de “Morangos Mofados” pensando “nossa, aqui é o Caio lendo o momento de ditadura, colocando para fora todo esse sofrimento, essa opressão”… Em todos aqueles contos, sintetizando o espírito de uma época, fiz essa leitura. Eu me identifiquei um pouco com essa angústia do Caio Fernando Abreu e talvez isso seja mais importante para mim do que uma literatura que resvale no panfletário, embora isso também seja interessante de ser lido.
Eu me dediquei a ler Caio Fernando Abreu nessa pandemia. Acho que “Morangos Mofados” tem um pouco disso, de sintetizar o espírito de uma época. Fiquei triste com a leitura (…) me identifiquei um pouco com essa angústia do Caio Fernando Abreu e talvez isso seja mais importante para mim do que uma literatura que resvale no panfletário
Flávia Mantovani
Jornal da Unesp: Flávia, você citou o seu estudo sobre Cassandra Rios e as mulheres na literatura. Na região central de São Paulo, recentemente, abriu uma livraria dedicada exclusivamente a obras escritas por mulheres. Como é esta sua relação com a literatura autoral feminina?
Flávia: É uma relação de muita paixão. Darei uma resposta emocional. Soube dessa livraria, mas não tive a oportunidade de ir ainda, esperando poder viajar… Em algum momento, me falaram da Carolina de Jesus e falei “nossa, que interessante”. Eu não a conhecia. Para mim, ler as mulheres na literatura é o tempo todo um exercício de pensar “nossa, como sou ignorante, como eu não conhecia isso?” Mesmo com as mulheres com mais presença na academia, já são professoras, jornalistas, estão no domínio da escrita, temos escritoras importantes como a Lygia, a Clarice Lispector… Mas ainda tem algum intrincamento aí nessa relação. Por que eu nunca tinha ouvido falar de Cassandra Rios, tendo feito história, cinco anos de graduação, dois anos e meio de mestrado? O que acontece aí? Essa é a pergunta que me faço. Tem algo que está barrando a fala das mulheres na literatura. Tenho minhas aspirações literárias, vontade de escrever desse lugar, desse ponto de vista.
Tem algo que está barrando a fala das mulheres na literatura. Tenho minhas aspirações literárias, vontade de escrever desse lugar
Flávia Mantovani
Jornal da Unesp: Marcio, quais são as autoras que você mais admira?
Márcio: Das mais recentes, gosto muito da Conceição Evaristo, Veronica Stigger, Adriana Lisboa, uma excelente romancista. Concordo com a Flávia, acho que o mercado editorial, durante muitos anos, foi um mercado exclusivamente ocupado por homens, dirigido por homens, com uma literatura quase sempre voltada a um público masculino. De um lado, temos uma estrutura social que cria obstáculos para uma maior participação das mulheres na literatura, dos negros, dos gays etc. De outro lado, acho que há, não sei, um fenômeno de abandono… A gente tem uma certa tendência de pegar temas contemporâneos e trazê-los a um primeiro plano. Fica parecendo que algumas coisas foram inventadas ontem. Não foram. Cassandra Rios estava falando em liberdade sexual, nos anos 60. Um país interditado, uma sexualidade interditada, uma ditadura altamente reacionária e ela publicando esses livros que a Ditadura classificava como licenciosos, contra a moral e os bons costumes. A Júlia Lopes de Almeida, no final do Século 19, fazendo a mesma coisa, uma literatura cujas representações, as ideias, a personagem feminina estavam na contramão de valores reacionários que constituíam aquela sociedade, conservadora na sua grande maioria. A gente tem uma história anterior para compreender como as escritoras ganham espaço hoje, os escritores negros, os gays… É preciso compreender que houve pioneiros, desde o Século 19, que estão desaparecidos, não se lê, mal se conhece.
Jornal da Unesp: Para ir um pouco além da pandemia, tema do concurso que premiou os textos de vocês, gostaria de saber se é possível ter alguma esperança no futuro, seja breve ou não?
Flávia: É complicado publicizar a desesperança… Acredito que, pelo tamanho que tudo isso tem, vai ser um processo de longo prazo… O Brasil vem de tombos históricos, golpes e rupturas democráticas que aconteceram na história da República. A gente mal se redemocratizou, de 1980 para cá, e agora estamos numa crise institucional, política, que também é uma crise sanitária. Acredito que sim, há esperança, mas isso é um processo de reconstrução que é do recomeço. Assim, tento não perder de vista esse longo prazo. No cotidiano, a gente faz o que dá, o que está ao nosso alcance.
Há esperança, mas não para agora. É uma esperança que depende de uma volta a um compromisso maior da sociedade com os interesses públicos, coletivos, com o respeito às instituições. Gostando ou não delas, a gente depende das instituições, as instituições podem ser melhoradas, mas defender a extinção delas é um horror
Marcio Scheel
Marcio: O Walter Benjamin tem um ensaio sobre o Kafka em que ele menciona uma conversa do Kafka com o Max Brod. Num determinado momento, o Max Brod pergunta para ele “então você tá querendo dizer que não há esperança?” O Kafka fala “há esperança o suficiente, a esperança é infinita. Só não para nós” (risos) Concordo com a leitura da Flávia. As crises no Brasil são cíclicas porque elas atendem a interesses que são muito maiores do que o da sociedade como um todo. Os grandes produtores de crise no Brasil hoje são os mesmos que produzem crises no Brasil desde as capitanias hereditárias… Há esperança, mas não para agora. É uma esperança que depende de uma volta a um compromisso maior da sociedade com os interesses públicos, coletivos, com o respeito às instituições. Gostando ou não delas, a gente depende das instituições, as instituições podem ser melhoradas, mas defender a extinção delas é um horror. Como é possível imaginar que fechar uma instituição é melhor do que tentar aprimorá-la? Vai demorar muito tempo para a gente recuperar uma confiança maior tanto nas instituições quanto na política e na própria capacidade da sociedade de ser mais razoável.
Ilustração acima de Ana Beatriz Raboni / ACI Unesp