Estudo aponta impactos climáticos sobre aves migratórias na América do Sul

Pesquisa da Unesp publicada em periódico de ornitologia associa modelos de nicho ecológico e simulações climáticas para predizer modificações futuras nas áreas de reprodução e sítios de invernada de sabiás

Pesquisa desenvolvida no Instituto de Biociências do câmpus de Rio Claro da Unesp atestou que as mudanças climáticas causarão impactos significativos sobre aves canoras migratórias na América do Sul, alterando a dinâmica de áreas de reprodução e sítios de invernada (locais de alimentação e repouso durante o período não reprodutivo), que são de extrema importância para a conservação e a manutenção destas espécies.

O trabalho é um extrato da tese de doutorado intitulada “Efeito das mudanças climáticas e do ambiente nas rotas de migração de aves na América do Sul”, defendida pela bióloga Natália Stefanini da Silveira sob orientação dos professores Marco Aurélio Pizo Ferreira (Unesp) e Thadeu Sobral-Souza (UFMT), e foi publicado na edição de maio deste ano da The Condor – Ornithological Applications, periódico científico especializado.

Como existem poucos trabalhos científicos a respeito de pássaros que se reproduzem e migram no Hemisfério Sul, em comparação com seus pares do Hemisfério Norte, os resultados deste estudo estão entre as primeiras evidências sob essa temática, com base em dados de ocorrência de três sabiás (família Turdidae) migratórios na América do Sul.

A pesquisa coletou dados de ocorrência dessas espécies por meio de ciência cidadã, museus e artigos científicos, associando modelos de nicho ecológico e simulações climáticas para predizer modificações futuras nas áreas de reprodução e de invernada do sabiá andino, ou Turdus nigriceps, que migra latitudinalmente e em altitude na Cordilheira dos Andes; do sabiá ferreiro, ou Turdus subalaris, que migra latitudinalmente na Mata Atlântica; e do sabiá-una, ou Turdus flavipes, que migra em altitude na Mata Atlântica.

“As três espécies de sabiás enfrentarão grandes reduções no tamanho de suas áreas de reprodução no futuro”, diz Natália Stefanini da Silveira, ligada ao Departamento de Biodiversidade do Instituto de Biociências de Rio Claro e que já trabalhara no mestrado com a temática, estudando como as aves se movimentavam em paisagens fragmentadas. (Veja nos mapas abaixo.)

Gráficos mostram as áreas de reprodução e invernada das três espécies de sabiás, e os diferentes cenários projetados para o futuro, de acordo com intensidade da mudança climática.

O capítulo da tese de doutorado publicado como artigo científico aponta também que, no futuro, locais mais elevados deverão se mostrar como climaticamente mais adequados para essas três espécies; prevê que o sabiá ferreiro sofrerá uma grande diminuição do tamanho de sua área de invernada; e relata um cenário provável no qual o sabiá-una terá sítios de invernada e de reprodução sobrepostos, ou climaticamente semelhantes.

Nossos resultados estão entre os primeiros a mostrar como as mudanças climáticas podem afetar as aves canoras migratórias na América do Sul ao longo do ano, e sugerem que mesmo aves migratórias aparentadas e com requisitos ambientais semelhantes na América do Sul serão afetadas de maneiras diferentes, dependendo das regiões onde se reproduzem e invernam

Natália Stefanini da Silveira, pesquisadora

Ciência cidadã
Para desenvolver esse primeiro capítulo do doutorado, Natália teve como desafio inicial trabalhar sem realizar coleta de campo, em função de dificuldades logística e de infraestrutura. Decidiu usufruir dos dados públicos disponíveis na internet, com o uso de plataformas como, por exemplo, o WikiAves e o eBird, que armazenam bancos de dados baseados em registros de observadores de aves amadores, os birdwatchers. Assim foram verificados os pontos de ocorrência nos quais as aves foram avistadas.

“Sabemos que essas espécies migram e temos ideia de onde são os sítios de invernada e as áreas de reprodução. Fiz a divisão desses pontos de ocorrência baseada no que já existe na literatura científica e nas próprias coletas”, conta.

Além de utilizar dados públicos, a pesquisadora frisa que teve bastante apoio da ciência cidadã, prática que consiste na parceria entre cientistas e colaboradores de fora do meio acadêmico para a coleta de informações para pesquisa, posteriormente examinadas por um especialista para validação.

“Diante das mudanças climáticas, podemos esperar impactos em uma ampla variedade de espécies, com algumas sendo mais afetadas do que outras. A família de pássaros que estudamos (Turdidae) é amplamente conhecida por ser generalista e cosmopolita. Como as espécies especializadas em habitat e dieta serão afetadas ainda é uma questão em aberto”, diz a pesquisadora. “Esperamos que este estudo inspire mais pesquisas sobre a ecologia e conservação de aves migratórias na América do Sul”, afirma.

O artigo intitulado “Future climate change will impact the size and location of breeding and wintering areas of migratory thrushes in South America”, assinado por Natália Stefanini da Silveira, Maurício Humberto Vancine, Alex E Jahn, Marco Aurélio Pizo e Thadeu Sobral-Souza, pode ser acessado pelo link https://academic.oup.com/condor/advance-article-abstract/doi/10.1093/ornithapp/duab006/6237321.

Imagem acima é de um sabiá-una, também conhecido como sabiá-da-mata, ave migratória presente na Mata Atlântica. Foto: MikeLane45/iStock