Culinária para saborear e aprender História

Projeto de historiadores da Unesp recupera receitas originais para ensinar a história dos alimentos

Qual o caminho do strogonoff desde a mesa dos czares russos até se consolidar como prato feito na cidade de São Paulo? A caipirinha foi mesmo inventada para servir de remédio durante a Gripe Espanhola? E afinal, quem inventou a coxinha? Essas são algumas das respostas que um trio de historiadores da Unesp, no câmpus de Franca, tentam responder no projeto Comer História

A proposta é ensinar História tendo como pano de fundo os alimentos e as receitas de pratos consagrados, como o cuscuz, o bolo de reis ou a pamonha. Para isso, os historiadores Rafael Afonso Gonçalves, Ana Carolina Viotti e Gabriel Ferreira Gurian criaram em novembro de 2020 um canal no Youtube em que apresentam a origem dos alimentos e preparam os pratos de acordo com receitas encontradas em fontes históricas. 

O projeto inclui ainda um perfil no Instagram em que, além de divulgar os vídeos, também apresentam documentos históricos com registros de alimentos, obras de arte que fazem referência à comida e algumas curiosidades, como a origem do nome da fruta-do-conde.

Comer História tem o DNA do câmpus de Franca. Ana Carolina Viotti é historiógrafa do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa Histórica (CEDAPH) do câmpus e docente do Programa de Pós-Graduação em História. Gabriel é doutorando no mesmo Programa e Rafael trilhou toda a sua trajetória acadêmica na unidade e hoje realiza um pós-doc na USP. 

Todos têm em seus currículos acadêmicos trabalhos que transitam direta ou indiretamente por temas relacionados à alimentação ou culinária. Gabriel é autor do livro Bebidas e bebedores no Brasil holandês 1624-1654, sobre o consumo alcoólico pelos batavos e suas consequências. Ana Carolina publicou em livro sua tese de doutorado: Pano, Pau e Pão, em que discute o tratamento aos escravos na América Portuguesa, incluindo no debate a sua alimentação. Rafael tem experiência em pesquisas sobre relatos de viagens, como em Animais e homens de um Oriente distante (séculos XII – XIV), onde a comida está sempre presente.

Fontes de informação

Apesar de os três historiadores transitarem pela alimentação em seus trabalhos, a ideia de  criar um projeto em vídeo veio somente durante a pandemia, com a presença mais frequente na cozinha, uma tendência em tempos de isolamento social. A confiança para cozinhar na frente das câmeras, entretanto, veio após o prêmio recebido por Ana Carolina em um concurso promovido pela apresentadora Rita Lobo.

Para montar o roteiro dos episódios, além da criatividade, o grupo pesquisa fontes em acervos de bibliotecas do Brasil e internacionais. “No exterior, é possível encontrar publicações de livros de receitas desde o século XV. Já no Brasil, os jornais impressos sempre tiveram uma tradição em publicar receitas”, afirma Ana Carolina.

No episódio do strogonoff, por exemplo, a receita mais antiga foi encontrada em um livro de 1861 chamado “Presente para jovens donas de casa”, uma obra destinada a mulheres recém-casadas da Rússia. “Contamos com a ajuda de um colega historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que traduziu do alfabeto cirílico para o português a receita que foi preparada em vídeo”, destaca Rafael.

Se acessar acervos e fontes históricas faz parte do dia a dia do historiador, o mesmo não pode ser dito sobre o uso de recursos audiovisuais. O ‘estúdio’ em que os pratos são preparados é a própria cozinha da residência do casal Ana Carolina e Rafael, que também se responsabiliza por gravar e editar o material.

Na moda dos realities culinários e dos programas que ensinam desde o arroz com feijão até preparar melancia na churrasqueira, o projeto dos historiadores de Franca ainda não completou um ano, mas já acumula seguidores nas redes sociais, mostrando que é possível aprender História com o assunto mais gostoso e mais importante que existe, a comida.