Pró-reitora da Unesp ingressa na Academia Brasileira de Ciências

Conheça a pesquisadora Maria Valnice Boldrin, do Instituto de Química, em Araraquara, diplomada na ABC em 29 de abril

Pró-reitora de pós-graduação da Unesp, a professora e pesquisadora Maria Valnice Boldrin, de 63 anos, assumiu neste ano como titular na Academia Brasileira de Ciências (ABC), na área de Ciências Químicas. Atualmente, são onze docentes vinculados à Universidade Estadual Paulista que já receberam essa diplomação, ponto alto para a carreira de um cientista no país. A pró-reitora é a terceira mulher desse grupo unespiano – as outras são as professoras Maysa Furlan, atual vice-reitora da Universidade, e Vanderlan Bolzani.

Referência nos estudos de eletroquímica e eletroanalítica, Maria Valnice Boldrin é a coordenadora nacional de um dos três Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) sob a liderança da Unesp. No INCT-Datrem (Instituto Nacional de Tecnologias Alternativas para Detecção, Avaliação Toxicológica e Remoção de Contaminantes Emergentes e Radioativos), a docente articula o trabalho de 40 grupos de pesquisa de várias partes do Brasil que estudam contaminantes emergentes, compostos químicos em baixa concentração (micropoluentes) que podem modificar o metabolismo, causando intoxicações e mutações importantes nos seres vivos, inclusive no ser humano.

Os trabalhos estão focados em três linhas de pesquisa principais que investigam esses contaminantes emergentes: uma direcionada a corantes usados nas indústrias têxteis e alimentícias e também em salões de cabeleireiro (corantes de cabelo); outra linha voltada ao desenvolvimento de sensores de compostos orgânicos poluentes; e uma terceira cujo foco é o tratamento de efluentes, tais como esgoto, água de petróleo e água de rejeito, por meio de fotoeletrocatálise (técnica que une características das técnicas eletroquímica e fotocatalítica). Nas palavras de Valnice,

Minha formação é toda em eletroquímica e em eletroanalítica, pesquisa básica. Estudei mecanismos de oxidação e de redução de estanho, por exemplo. Foi no meu primeiro pós-doc, na Inglaterra, que tudo mudou e passei a trabalhar com corantes, pesquisa aplicada. Naquela época (início dos anos 1990) ninguém trabalhava com corantes…

“Lembro que voltei ao Brasil e em pouco tempo já estava fazendo parceria com uma pesquisadora da Cetesb (Gisela Aragão Umbuzeiro, hoje na Unicamp) para estudar águas de um rio no interior de São Paulo que tinham a presença de componentes mutagênicos. Isso estava afetando a qualidade da água captada para tratamento naquela região”, lembra Valnice.

Ponto de inflexão

Esse primeiro pós-doutorado da pesquisadora, a que se refere como ponto de inflexão em sua trajetória acadêmica, foi realizado entre 1992 e 1994 na Universidade de Loughborough, na Inglaterra, com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). A ida ao exterior foi resultado de uma iniciativa articulada por um grupo de docentes do Instituto de Química (IQ) da Unesp, câmpus de Araraquara, que selecionou professores para estudar fora do Brasil com um objetivo bem delineado. “Fui para Loughborough com uma missão, que era trazer novas linhas de pesquisa para a unidade para poder fortalecer a pós-graduação. Esta foi uma ótima iniciativa”, diz Valnice Boldrin, hoje à frente da pós-graduação da Unesp.

O trabalho com corantes da pesquisadora unespiana foi naturalmente ampliado, nas décadas seguintes, e virou referência com a publicação de um review (apanhado da literatura científica sobre um determinado assunto) sobre corantes têxteis, na revista Química Nova, bastante citado por outros pesquisadores do tema. De 2009 a 2015, Maria Valnice Boldrin foi coordenadora de um projeto temático da Fapesp na área de química analítica de corantes.

Durante esse projeto temático, no qual se envolvem muitos pesquisadores (freqüentemente de áreas e/ou de instituições diferentes) com o objetivo de obter resultados de alto impacto para o avanço do conhecimento científico, a docente da Unesp recebeu o prêmio Elsevier/Capes 2014, selecionada como uma das dez mulheres cientistas brasileiras cujas pesquisas tiveram mais impacto na comunidade científica. A pesquisadora afirma:

A minha vida de cientista, como eu poderia dizer, nunca foi guiada por ganhar dinheiro. Sempre trabalhei com assuntos que ninguém queria (trabalhar). Mas o alcance e o impacto das pesquisas em que participo me deixam realizada. É uma história linda.

Mulheres na ciência

Como pró-reitora de Pós-graduação desde janeiro, mesmo mês em que foi empossada na Academia Brasileira de Ciências (a diplomação ocorreu no dia 29 de abril, em cerimônia virtual), Maria Valnice Boldrin tem planos de implantar na Unesp uma “proteção” a mestrandas e doutorandas que têm filhos, de maneira que elas tenham tranqüilidade para viver a maternidade sem comprometer as pesquisas em andamento. Ela explica

Estamos estudando formas de proteger as mulheres que fazem pós-graduação e são mães na Unesp, dando a elas dois anos de proteção. O direito de produzir menos (no início da maternidade) tem que ser respeitado.

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Mãe de duas mulheres que também seguiram carreiras acadêmicas em universidades públicas, Maria Valnice Boldrin nasceu na zona rural de Tupi Paulista, pequena cidade a 670 quilômetros da capital de São Paulo. A primogênita de uma família de italianos que plantava café no bairro do Barro Preto alfabetizou-se em uma escola rural e, aos 11 anos, foi viver na área urbana, longe dos pais, para seguir os estudos. 

No ensino médio, apaixonou-se pela química nas aulas experimentais de “dona Dinha”. Aos 18 anos, mudou-se para Campinas, onde trabalhava como bancária durante o dia e freqüentava as aulas de um cursinho pré-universitário à noite, já certa de que queria cursar química. Ingressou no câmpus de Ribeirão Preto da USP.

O contato com a pesquisa

“Fui para Ribeirão Preto com o dinheiro que juntei trabalhando no banco. Em Ribeirão, estudava durante o dia e dava aula em um supletivo [Educação de Jovens e Adultos] à noite. Fiz o bacharel em quatro anos e completei a licenciatura. Porque eu sempre desejei ser professora”, diz, recordando que foi durante a graduação que a veia de pesquisadora também aflorou.

Fui fazer iniciação científica e, pela primeira vez, dei conta da beleza que era a inovação, descobrir coisas novas. Quis continuar nessa carreira.

O orientador de iniciação científica, professor Nelson Ramos Stradiotto, foi o mesmo do mestrado e do doutorado, ambos realizados no câmpus de São Carlos, da USP. Em 1987, após trabalhar como professora de química na Fundação Educacional de Barretos, iniciou a carreira docente na Unesp, em Araraquara, ainda como doutoranda. De lá para cá, pelos seus cálculos, orientou “mais de 60 estudantes, entre mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos”.

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Reconhecimento

Em 2017, Maria Valnice Boldrin tornou-se titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp). Na ABC, entre os 21 membros titulares que tomaram posse neste ano, nove (43%) são mulheres.

“É um grande desafio (ser mulher cientista). Eu tocava violão, adorava esportes, mas tive de abdicar dessas coisas para viver para a ciência e para as minhas filhas”, diz a mais nova titular unespiana da ABC, que cita as escolas públicas por que passou e os professores que a apoiaram com muito carinho.

A ABC divulga e fomenta a produção científica no país desde 1916. Os seus “acadêmicos” estão reunidos em dez áreas especializadas: Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Ciências Químicas, Ciências da Terra, Ciências Biológicas, Ciências Biomédicas, Ciências da Saúde, Ciências Agrárias, Ciências da Engenharia e Ciências Sociais. Os membros titulares são definidos pela ABC como “cientistas radicados no Brasil há mais de dez anos, com destacada atuação científica”.

A Unesp possui também dois professores que se enquadram como “membro associado”, outra categoria vitalícia da ABC reservada a cientistas com atuação de excelência, extinta em 1999: os professores Paulo Milton Barbosa Landim, reitor da Universidade de 1989 a 1993, e Carminda da Cruz Landim (veja abaixo a lista).

Nas imagens acima, a pró-reitora de Pós-Graduação da Unesp, professora Maria Valnice Boldrin, do Instituto de Química, em Araraquara, é a terceira mulher da Universidade a ingressar como titular na Academia Brasileira de Ciências (ABC). Fotos: Fabio Mazzitelli/ACI Unesp