Efeitos da urbanização tornam relações ecológicas dos beija-flores mais generalistas e já alteram o organismo de algumas espécies

Alterações causadas pela expansão das cidades podem colocar em risco tanto as aves quanto as plantas que dependem da sua polinização. Pesquisadores sugerem adoção de espécies nativas que diversifiquem as interações no planejamento urbano

O crescimento da urbanização tem tornado as interações entre beija-flores e as plantas cada vez mais generalistas, isto é, essas aves que habitam as cidades estão contando com uma diversidade cada vez menor de “parceiros” para interagir em relação àquelas que vivem nos ambientes naturais. Segundo pesquisadores, essa alteração aumenta a fragilidade tanto dos beija-flores quanto das plantas com as quais essas aves interagem nos ambientes urbanos.

A ciência tem clareza sobre os efeitos da urbanização sobre a distribuição das espécies, mas ainda existem lacunas sobre seus efeitos sobre as interações entre as espécies e, consequentemente, seus processos ecológicos e evolutivos. Pietro Maruyama, pesquisador do CBioClima (Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas), financiado pela Fapesp e sediado no câmpus da Unesp na cidade de Rio Claro, explica que a conclusão sobre a queda na variedade de interações dos beija-flores colabora para a melhor compreensão dos efeitos do crescimento urbano nas espécies. 

Essa perda da especificidade nas relações entre beija-flores e as plantas que são polinizadas por essas aves é uma das conclusões de um estudo publicado na PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences) que contou com a colaboração de ,ais de 60 autores e que contemplou 176 espécies de beija-flores e 1.180 espécies de plantas do continente americano, do México ao Brasil. Além de Maruyama, que é professor da UFMG e integra o CBioClima, participaram do trabalho os pesquisadores da Unesp Felipe Amorim, Caio Ballarin, João Carlos Pena e Leandro Hachuy-Filho.

Em entrevista à rádio Unesp FM, Maruyama explica que, embora as abelhas sejam sempre lembradas pelo seu trabalho na polinização, os beija-flores também desempenham um papel importante nesse serviço ecológico. “As abelhas são o grupo mais importante quando pensamos no número de plantas que depende de cada um dos grupos de polinizadores, mas no continente americano temos milhares de grupos de plantas que têm uma certa dependência dos beija-flores para polinização”, destaca.

O pesquisador afirma que, quando comparado com beija-flores de áreas naturais, os habitantes das cidades se alimentam de néctares que não são necessariamente de plantas nativas, o que tem colaborado com esse processo de generalização nas interações. “Uma das plantas mais usadas pelos beija-flores em ambientes urbanos é uma planta australiana, que as pessoas acham bonita e que são mais fáceis de cultivar”, destaca Maruyama “A gente ainda entende pouco sobre os efeitos dessa generalização sobre esses polinizadores, mas é possível que existam outros impactos que ainda precisamos investigar melhor”, diz. 

Um ponto levantado pelo pesquisador é que algumas espécies de beija-flor mais adaptadas ao ambiente natural já não conseguem persistir no ambiente urbano. “Se a gente pensar que podem existir algumas espécies de plantas que dependem mais especificamente dessas espécies de beija-flor, então é possível pensar que a urbanização tem levado a perda de plantas que dependem dessas aves”, afirma o integrante do CbioClima. “Sabemos que ainda é difícil quantificar esse efeito, mas ele é bastante plausível”.

Outro efeito da urbanização mencionado por Maruyama diz respeito à introdução de fontes de alimentação artificiais, como bebedouros de água açucarada, o que tem levado à modificação na forma dos beija-flores. O pesquisador cita um artigo publicado no início deste ano por pesquisadores da Califórnia mostrando que, ao longo dos últimos anos, o formato do bico de algumas espécies dessas aves tem se alterado em virtude do uso cada vez mais frequente desses recursos introduzidos pelos humanos. “Nós já não estamos afetando apenas a forma como esses beija-flores se alimentam, mas a forma dos seus organismos”, aponta o professor da UFMG. “Podemos chamar isso de adaptação, porque trata-se de uma mudança evolutiva, e isso já está acontecendo em diversos organismos em ambientes mais urbanizados”.

Uma possível solução para mitigar o impacto da urbanização nas interações, sugere o pesquisador, é a introdução de espécies de plantas nativas no planejamento das cidades, incorporando aos projetos urbanos espécies que sejam benéficas para a fauna, por exemplo. “Acredito que seja possível pensar as cidades como aliadas na conservação quando existe a interação sobre o que é produzido pelos cientistas e o que os tomadores de decisão vão consultar na hora de planejar a cidade”, afirma.

A entrevista completa com o pesquisador Pietro Maruyama, da UFMG e do CBioClima pode ser ouvida na rádio Unesp FM.