Em 1993, o cineasta Steven Spielberg eternizou, na memória de gerações, a cena de dois braquiossauros se alimentando e andando calmamente pelos campos no filme Parque dos Dinossauros. A escolha dos gigantes pescoçudos como os primeiros dinossauros a aparecerem no filme não foi por acaso: sua calmaria é superada apenas por seu tamanho monumental, capaz de assombrar os personagens protagonistas, Alan Grant e Ellie Sattler, e, com eles, todos os espectadores.
Os carismáticos “pescoçudos” (apelido que receberam previsivelmente pelas longas dimensões desta parte de sua anatomia) fazem parte do grupo dos saurópodes, que viveram durante o Período Cretáceo da Terra (entre 145 milhões e 66 milhões de anos atrás). Desta comunidade de gigantes fez parte, por exemplo, o Dreadnoughtus, que habitou o sul da Argentina e chegava a medir cerca de 26 metros. Para além de abarcar algumas das maiores espécies de dinossauros conhecidas, contam-se entre os pescoçudos os maiores animais que já caminharam pelo planeta Terra.
Embora suas figuras sejam fartamente representadas em livros infantis e em outros produtos da cultura pop, o fato é que nosso conhecimento de como estes animais se movimentavam ainda apresenta expressivas lacunas. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que esta linhagem não possui descendentes contemporâneos. “No caso dos dinos terópodes, como o T-Rex, existem hoje aves que são muito aparentadas a eles, como a avestruz. Isso nos ajuda a entender como um tiranossauro andava. Para os saurópodes, não existe nenhum modelo vivo”, explica Julian C. G. Silva Júnior, que atualmente realiza seu pós-doutorado no Laboratório de Paleontologia e Evolução, na Faculdade de Engenharia da Unesp, câmpus de Ilha Solteira.
Em sua pesquisa, Silva Júnior busca desenvolver um modelo que represente a movimentação e a estrutura desses gigantes da forma mais precisa possível. Com esse objetivo, decidiu inicialmente se debruçar sobre uma questão que há tempos divide os paleontólogos: será que eles eram capazes de se levantar sobre as patas traseiras e assumir uma postura bípede?
“Essa postura é encontrada em todos os animais quadrúpedes”, explica Silva Júnior. “É adotada em diferentes comportamentos, que incluem alimentação, acasalamento e defesa. Imaginava-se que os saurópodes seguiriam esse padrão. Mas, até pouco tempo atrás, não existia a tecnologia necessária para testar essa hipótese”, diz ele.
Para trazer luz à questão, o pesquisador empregou técnicas de simulação sobre o fêmur de sete espécies diferentes de saurópodes, com o objetivo de reproduzir as forças e as tensões que o osso sofreria quando o animal se erguesse sobre as patas traseiras. Os resultados, publicados no artigo Standing giants: a digital biomechanical model for bipedal postures in sauropod dinosaurs, na revista científica Paleontology, sugerem que todas as espécies de saurópodes seriam capazes de fazer o movimento. As espécies de menor porte teriam uma capacidade maior para se sustentar nessa posição por mais tempo, e experimentariam menos estresse no fêmur, enquanto aquelas de maiores dimensões enfrentariam mais dificuldades para permanecer nessa base.
A resistência do fêmur
Para chegar a esses resultados, Silva Júnior e os demais pesquisadores que colaboraram com o estudo analisaram os fêmures, que são ossos da coxa, de animais menores e mais leves, como o Neuquensaurus, que media cerca de 6 metros, com estimativas de peso variando entre 1.400 kg e 6.000 kg, até gigantes como o Dreadnoughtus, cujo peso pode chegar a 60.000 kg, segundo estudos.
Para as análises, o grupo de pesquisadores digitalizou os fêmures de quatro espécies, pertencentes às coleções da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, do Museo de La Plata e do Museo Argentino de Ciências Naturais, e acessou os dados digitalizados de outras três, a partir de escaneamentos 3D disponibilizados online.
Com os dados dos escaneamentos em mãos, os ossos foram restaurados digitalmente e submetidos a simulações que reproduziam diferentes cenários de estresse e força, utilizando uma técnica conhecida como análise por elementos finitos (FEA). Originado nos estudos de engenharia, esse método é amplamente utilizado no desenvolvimento de novos produtos, pois permite criar cenários digitais e testar o comportamento do produto em determinadas condições. Por exemplo, antes mesmo de se elaborar qualquer protótipo físico, é possível desenvolver um gancho de ferro e gerar simulações com diferentes temperaturas, pressões ou esforços mecânicos, avaliando sua resistência, durabilidade e desempenho.
Mais recentemente, na última década, a técnica também vem ganhando destaque dentro da paleontologia e da biologia, onde os cientistas passaram a explorar quais são as possibilidades de aplicação do método em suas pesquisas. No Brasil, o Laboratório de Paleontologia e Evolução de Ilha Solteira é um expoente, sendo o único centro que concentra pesquisas focadas no uso da FEA na paleontologia.
Para os saurópodes, o grupo simulou dois cenários, denominados extrínseco e intrínseco. O cenário extrínseco considerou as forças externas que agem sobre os ossos quando o animal assume uma postura bípede. Nesse caso, o principal fator levado em consideração foi a massa do animal. “Simulamos o peso do dinossauro concentrado nos fêmures, e isso permitiu observar o comportamento de cada osso”, explica Silva Júnior.
O cenário intrínseco considerou as condições internas do animal, e nesta perspectiva a musculatura desempenhou um papel central. “Quando os músculos em volta de um osso são flexionados, eles geram uma tensão sobre o osso”, diz Silva Júnior. Sabendo disso, o grupo simulou a influência de nove músculos distintos que agiam sobre o fêmur.
Para que a simulação fosse executada com fidelidade, os pesquisadores precisaram determinar, primeiro, quais músculos poderiam estar envolvidos naquela região. Isso foi possível graças às marcas que os músculos deixam nos ossos, como cicatrizes, por conta do seu tensionamento. “A ação dos músculos gera os chamados acidentes osteológicos. São, basicamente, cicatrizes, cristas e calos, que servem de guia para entender onde estavam os músculos naquelas regiões dos ossos”, explica Felipe Montefeltro, coordenador do Laboratório de Paleontologia e Evolução de Ilha Solteira.
Ao combinar a análise das marcas com o conhecimento que temos da musculatura de animais já estudados, é possível criar aproximações que permitem identificar quais músculos existiam naquele osso, a direção para a qual se tensionavam e a força envolvida. Foram conduzidas simulações de nove músculos. Entre eles, o da cauda — o maior músculo que aquelas espécies possuíam, e também o que mais gerava estresse sobre o fêmur.
Animais menores se levantam com mais facilidade
Dentre as sete espécies analisadas, foi o Neuquensaurus que, após os testes, apresentou o menor estresse no fêmur. As análises sugerem que possuía ossos mais robustos e maior capacidade de sustentar-se em postura bípede por mais tempo e com mais facilidade. O mesmo não ocorreu com o gigante Dreadnoughtus, cuja musculatura exerceu um estresse aproximadamente 16 vezes maior sobre o osso da coxa. Isso implica que, provavelmente, embora os saurópodes pudessem se colocar apenas sobre duas pernas, essa seria uma prática menos comum. “É importante destacar que o comportamento de levantar-se está presente em todas as espécies de saurópodes. O que procuramos demonstrar é que algumas linhagens podem fazer isso com mais facilidade do que outras”, diz Silva Júnior.
Essa já era uma resposta imaginada pelo grupo de pesquisadores. “Faz sentido que animais maiores tenham mais dificuldade para se levantar, e isso já era tido como hipótese há algum tempo”, diz Montefeltro. “Mas, até agora, isso nunca tinha sido testado para os saurópodes”, completa.

Esse é um primeiro passo em uma empreitada maior: a de conseguir desenvolver um modelo completo e verossímil para os saurópodes. Para Silva Júnior, o interesse em descobrir como esses gigantes pescoçudos se movimentavam e se comportavam reside na falta de semelhantes vivos, que poderiam servir de comparação. “Hoje, não temos animais vivos comparáveis aos saurópodes, o que torna muito interessante investigar questões biomecânicas, sobre como eles se erguiam, levantavam e abaixavam o pescoço ou usavam a cauda”, diz.
Já Montefeltro destaca a curiosidade de estudar e descobrir os comportamentos dos maiores animais que habitaram a Terra. “Estamos falando de animais terrestres que se aproximaram muito — em termos de tamanho — dos limites que a vida pode alcançar”, diz.
Gigantes em pé
Mas o fato de que as espécies mais colossais podiam chegar a medir 26 metros de comprimento pode gerar questionamentos sobre qual seria a real necessidade para que realizassem o esforço de se sustentar em duas patas, em especial para se alimentarem. Para responder a esta objeção, é preciso considerar que a paisagem do Cretáceo era muito diferente da que vemos hoje. “A vegetação dominante era de araucárias, que podiam chegar a medir mais de 40 metros de altura”, diz Montefeltro. Em um tal cenário, mesmo os mais altos dos dinossauros, por vezes, precisavam se erguer do chão para conseguir ir atrás do alimento.
Por outro lado, os saurópodes menores, como o Neuquensaurus, podiam medir “apenas” cerca de 6 metros de comprimento. “Os saurópodes menores possivelmente competiam com outros animais para comer nas partes mais baixas. Por isso, a possibilidade de se erguerem e alcançar um ponto mais alto da árvore representava um comportamento vantajoso para eles”, explica Silva Júnior. O pesquisador lembra o exemplo dos elefantes modernos, que atualmente detêm o título de maior animal terrestre, e que usam o apoio em duas pernas e até a tromba para alcançar fontes de alimentos menos disputadas. “Essa seria uma forma de aproveitar um limite acima do que o animal alcança”, diz.
Além da alimentação, os pesquisadores também acreditam que esses animais assumiam a posição bípede para acasalar. “Poderíamos imaginar que eles se acasalassem em alguma posição semelhante à que é usada pelos quadrúpedes atuais. Mas isso seria muito mais desgastante do que a posição sustentada nas patas traseiras”, diz Montefeltro. Apesar da dificuldade, não era necessário contar apenas com a força das patas para assumir a posição: acredita-se que esses dinossauros utilizavam outros pontos de apoio, como pedras, árvores e, até mesmo, se apoiavam sobre a parceira durante o acasalamento.
Um último cenário possível para a adoção da postura em duas patas envolveria circunstâncias em que seria preciso demonstrar agressividade ou defender-se de algum risco. Tal como fazem certos animais de hoje, que se erguem sobre as patas traseiras para ampliar a própria silhueta e intimidar rivais, esses gigantes pescoçudos talvez também utilizassem essa manobra para impressionar e afugentar ameaças.
Mesmo extintos há milhões de anos, os pescoçudos seguem gerando assombro junto àqueles que cruzam seu caminho — sejam os personagens de um filme de ficção científica, sejam cientistas em busca de respostas sobre seu estilo de vida.
Imagem acima: representação artística de dois Neuquensaurus. Crédito: Guilherme Gehr