Mateus Paranhos da Costa construiu uma carreira destacada como pesquisador, docente, orientador e extensionista. Sua trajetória estendeu–se além dos muros da universidade. Circulou pelas sedes de importantes instituições internacionais, como os escritórios da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e pelas conferências científicas mais relevantes de sua área, mas transitava também pelos currais de manejo das fazendas de gado, nos quais oferecia treinamento a vaqueiros. Mesmo alternando-se entre os ambientes variados, mantinha a mesma personalidade calma, opiniões firmes e capacidade incansável para o trabalho, e trazendo junto consigo o nome da Unesp.
Seu pioneirismo como pesquisador na área de comportamento e bem-estar animal no Brasil mesclava-se com o compromisso de transmitir conhecimento aos mais diversos meios e audiências que é característico dos que produzem uma ciência aplicada, capaz de transcender os muros da universidade e, de fato, impactar a vida real das pessoas.
Mateus Paranhos ingressou como docente do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), câmpus de Jaboticabal, em 1986. Como docente, atuou fortemente para a consolidação das disciplinas de Etologia e Bem-estar Animal nos currículos dos cursos de Medicina Veterinária, Zootecnia e Ciências Biológicas. Ao longo de sua carreira, orientou mais de 80 pós-graduandos em nível de mestrado e doutorado e, em 1993, fundou o Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (Grupo ETCO).
No grupo, foram formados muitos dos profissionais que hoje atuam na área de comportamento e bem-estar animal pelo país, incluindo docentes de universidades do Brasil e do exterior, funcionários de órgãos governamentais e de ONGs, e colaboradores de empresas e da indústria frigorífica. Muitos dos seus ex-orientandos permaneceram, de alguma forma, ligados ao Professor Mateus, como o chamavam, e ao Grupo ETCO. Eu, que atuo também como docente da FCAV, e sou atualmente a coordenadora do Grupo ETCO, estou entre esses antigos orientandos que mantiveram esses vínculos, graças à sua personalidade acolhedora, que o tornava querido e respeitado.
Sua produção científica o classificou como Pesquisador nível 1 do CNPq, tendo publicado mais de 130 artigos, 40 capítulos de livros e nove livros próprios. Foi um ativo colaborador de sociedades científicas, sendo membro da International Society for Applied Ethology (ISAE) e da Sociedade Brasileira de Zootecnia. Um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Etologia (SBEt), organizou o I Encontro Paulista de Comportamento Animal em 1983, que mais tarde daria origem ao ‘Encontro Anual de Etologia’, tradicional congresso na área de comportamento animal no Brasil e na América Latina. Foi também um dos fundadores da Associação Brasileira de Zootecnistas (ABZ), sendo membro da primeira diretoria dessa associação, que nasceu em 1988 a partir do desejo dos zootecnistas de se mobilizarem em defesa de uma formação de qualidade e dos interesses do exercício profissional na Zootecnia.
Aprofundou a relação entre a universidade e a sociedade ao trabalhar diretamente pela inserção de seu trabalho junto ao setor produtivo. Entre os anos de 2013 e 2016, foi destacado como uma das ‘Personalidades mais Influentes do Agronegócio Brasileiro’ pela revista Dinheiro Rural. Seus trabalhos impactaram fortemente a forma como se realiza o manejo dos bovinos nas fazendas brasileiras. Uma das suas formas de levar esse conhecimento ao campo foi através dos ‘Manuais de Boas Práticas de Manejo’, uma série de guias com foco em processos (por exemplo, vacinação, embarque, transporte etc.), os quais apresentavam de forma acessível e detalhada as boas práticas de manejo aos atores das cadeias produtivas.
Sua atuação lhe valeu um convite para atuar como professor visitante entre 2009 e 2010 na sede da FAO, em Roma, e tornou-se membro do Comitê de Bem-Estar Animal e Educação da Unidade de Bem-Estar animal da Diretoria Geral de Saúde e Atenção ao Consumidor da União Europeia (DG-SANCO), da Comissão Europeia, em Bruxelas, na Bélgica.
Em março de 2024, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo lançou o Plano Estadual de Bem-Estar Animal, que tem como uma de suas principais medidas um novo modelo de marcação para animais vacinados contra a Brucelose, e que foi inspirado em seu trabalho.
Durante o evento de lançamento, na presença de autoridades políticas e produtores rurais, o professor Mateus foi homenageado pelos serviços prestados em favor do bem-estar animal para animais de produção. Na ocasião, declarou: “até hoje, as iniciativas para minimizar o uso da marcação a fogo eram de caráter individual. Eu e mais alguns colegas levávamos a mensagem aos produtores, e alguns produtores e técnicos veterinários adotaram formas alternativas de identificação. Faltava, porém, um posicionamento claro, em termos de política pública. O governo de São Paulo é o primeiro a se posicionar.”
A instituição desta política de bem-estar animal para o estado, assim como a homenagem pública que recebeu, evidenciam o impacto de seu trabalho, que inspirou e ainda inspirará gerações de estudantes e profissionais a adotarem práticas mais éticas e sustentáveis na produção pecuária e em todas as atividades que envolvam animais. Através dessas pessoas, seu legado permanecerá vivo.
Aline Cristina Sant’Anna é docente da FCAV e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal
Imagem acima: arquivo pessoal