Prova Nacional Docente: limites e desafios para a qualidade da educação

Docentes são desprestigiados e culpabilizados por resultados insatisfatórios pelos quais não são os únicos responsáveis, e ferramentas de avaliação e diagnóstico não bastam para mudar esse cenário. Investir no aperfeiçoamento do ensino e na valorização dos professores demanda uma decisão política, e que supere visões simplistas ainda em vigor.

A obrigatoriedade da educação escolar dos quatro aos dezessete anos implica no dever do Estado em garantir acesso, permanência e qualidade. Atualmente, 96% das crianças e adolescentes de 6 a 14 anos estão na escola. Esses dados ilustram avanços no acesso à educação, mas ainda persistem importantes desafios quanto à sua qualidade. Ao analisar a qualidade da educação, é preciso considerar, porém, as dimensões extra e intraescolares. Isso implica levar em conta, entre outros fatores, tanto as condições socioeconômicas e culturais dos estudantes que ingressam na escola, como as circunstâncias de formação e de atuação dos profissionais da educação.

O que o Estado faz com as informações que coleta?

Ao longo da história da educação brasileira, foram sendo construídas as bases para o financiamento da educação básica, incluindo a vinculação constitucional e a política de fundos. Isso possibilita, materialmente, a ação do Estado. Nas últimas décadas, o chamado Estado Avaliador passou a investir em novas formas de regulação e controle de suas ações e instituições. Foi nesse cenário que se disseminaram políticas de avaliação da educação básica e da educação superior. Muitas delas se fundamentam na ideia de que a formulação de políticas públicas necessita de diagnósticos, e que a avaliação de políticas públicas exige certos instrumentos. Por esse prisma, a avaliação é vista como uma ferramenta importante para a tomada de decisão política, já que pode evidenciar demandas e necessidades. A grande questão é: o que o Estado faz com essas informações?

No Brasil, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) cumpre, nacionalmente, o papel de organizar e manter um sistema de informações e estatísticas educacionais. Esse sistema é  alimentado por um conjunto de avaliações, entre as quais se incluem o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e a recém-instituída Prova Nacional Docente (PNE).

O fato é que, há décadas, são produzidos instrumentos e informações para subsidiar as decisões do Estado, a fim de que os sistemas educativos ofereçam educação de qualidade aos seus estudantes. Entretanto, não são os resultados das avaliações que geram qualidade.

O monitoramento do Plano Nacional de Educação, Lei n. 13.005/2014, em vigor até 31 de dezembro de 2025, evidencia problemas históricos na área da educação. Especificamente no que tange à formação e às condições de trabalho dos profissionais da educação, é possível apontar os seguintes pontos:

  • Apenas 68% dos professores que atuam no ensino médio possuem formação adequada;
  • Os profissionais da educação recebem apenas o equivalente a 87% da remuneração de profissionais com escolaridade equivalente;
  • Nas redes estaduais de ensino do país, apenas 48% são efetivos ou concursados, evidenciando instabilidades nas escolas públicas, já que a maioria está submetida a contratos temporários.

Estes exemplos ilustram uma realidade educacional que produz consequências para a formação dos estudantes. Essas consequências não podem ser desconsideradas na análise dos resultados das avaliações de alunos e professores da educação básica.

O surgimento da Prova Nacional Docente

Investir na qualidade da educação e na valorização dos professores é uma decisão política. Nem sempre a variável “professor” é compreendida na sua totalidade. Muitas vezes, é entendida de forma simplista e enviesada: basta selecionar os melhores professores para aumentar a qualidade da educação. Nessa premissa, estão camuflados problemas históricos de desvalorização das licenciaturas e da carreira docente. Há tempos a profissão é desprestigiada e os professores são culpabilizados por resultados que não são apenas de responsabilidade deles.

Foi em meio a esse cenário que, em janeiro de 2025, o governo federal lançou o Programa Mais Professores, cujos objetivos estão relacionados à melhoria da qualidade, à valorização dos professores da educação básica e ao incentivo à carreira docente. Entre suas estratégias, o governo federal instituiu a Prova Nacional Docente (PND).

A PND está articulada ao Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes de Licenciatura, o chamado Enade das Licenciaturas. Todos os concluintes de cursos de licenciatura são obrigados a fazer esse Enade que, desde 2024, passou a ser anual. Na prática, a PND é a parte teórica do Enade. Além dos concluintes dos cursos de licenciatura, qualquer licenciado pode se inscrever voluntariamente para realizar a avaliação, tendo em vista a possibilidade de ser utilizada para o ingresso na carreira docente.

Isso significa que a PND possui dois objetivos principais: avaliar o desempenho dos estudantes de licenciatura e selecionar docentes para o ingresso na carreira.

O Enade já vem sendo aplicado há muitos anos de forma a produzir informações sobre o desempenho dos estudantes de graduação e, especificamente, de licenciaturas. A PND – assim como o Enade – possui uma matriz de referência, embasada tanto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica como nas Diretrizes Curriculares Nacionais de cada curso de licenciatura. Quando egressos vão bem numa avaliação, supostamente, significa que cumpriram os critérios estabelecidos nas matrizes de referência e que as instituições formadoras atendem às diretrizes curriculares.

Sob essa perspectiva, o resultado da PND pode indicar alguns caminhos para a formação inicial, atuando como elemento para a reorientação de políticas públicas. Entretanto, esses resultados mostram-se frágeis e insuficientes para que Estado e sociedade produzam ações e consequências efetivas para a valorização das licenciaturas.

Resultados precisam levar em conta condições de ingresso nas licenciaturas

Os resultados dos egressos precisam também considerar a forma como eles ingressam nas licenciaturas, assim como as condições de formação oferecidas pelas instituições formadoras. Isso envolve não apenas projetos pedagógicos e curriculares adequados aos novos desafios da ciência, da tecnologia e da sociedade, como também o financiamento necessário para que isso se efetive. Isso exemplifica, de forma concreta, que o mero acúmulo de informações não resulta, necessariamente, em ganho de qualidade.

A Prova Nacional Docente também traz a possibilidade de início na carreira docente. Conforme previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/1996, o ingresso na carreira, nas redes públicas de ensino, deve ser feito por meio de concursos públicos. Apesar disso, em virtude da precarização da profissão, da violência nas escolas, do adoecimento de professores e de problemas relacionados à falta de infraestrutura material, física e pedagógica, entre muitos outros elementos, vê-se hoje um verdadeiro desestímulo à profissão docente.

O fato é que, com a instituição da Prova Nacional Docente, há a possibilidade de Estados, Distrito Federal e Municípios utilizarem os resultados dessa avaliação, no todo ou em parte, como meio para o ingresso na carreira docente. Na prática, não basta realizar a PND; é preciso que os entes federativos façam a adesão à PND e publiquem seus respectivos editais, mencionando a forma como irão utilizar os resultados da prova. Ainda levará algum tempo para que isso se concretize, mas são visíveis os mecanismos de indução do governo federal para que se firme uma tendência.

São muitas as críticas que envolvem uma avaliação como a PND. Entre elas está o fato de ser nacionalmente aplicada, com riscos à autonomia dos sistemas educativos e à diversidade regional. É um debate recorrente em virtude do federalismo brasileiro e de nossa realidade continental.

Apesar disso, há a expectativa de que a PND atue como estímulo a que pessoas com formação possam fazer a prova e iniciar na carreira, minimizando o chamado “apagão docente”. Porém, isso só vai acontecer se houver ações que incentivem o ingresso e a permanência na profissão, o que engloba: planos de carreira atrativos, condições de trabalho justas e remuneração adequada.

Cláudia da Mota Darós Parente é professora-associada no Departamento de Administração e Supervisão Escolar da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília

Imagem acima: a professora do Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 001, Maria Aparecida Castro, durante aula na instituição, no Catete, na zona sul da capital fluminense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil