“Atualmente, não se pode mais discutir a questão dos acervos sem abordar a digitalização”

A Unesp investe na restauração e digitalização de três de seus acervos de documentos e materiais, com o apoio da Finep. O objetivo é preservar o conhecimento produzido desde o período dos institutos isolados e facilitar o acesso ao público de dentro e de fora da academia.

Com o objetivo de impulsionar a conservação dos acervos históricos e ampliar o acesso do público a eles, o Governo Federal sancionou, ao longo da década de 2000, leis que permitiram a digitalização de documentos e itens únicos, assegurando, assim, a existência de cópias digitais. Alinhando-se a essas legislações, a Unesp está investindo na digitalização de três de seus acervos históricos, visando democratizar o acesso a esses dados por meio de plataformas digitais, beneficiando tanto a comunidade acadêmica quanto o público externo.

A iniciativa foi financiada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que destinou mais de R$ 4,3 milhões para a conservação e disponibilização digital dos materiais ao longo de 36 meses. Entre os acervos contemplados pelo financiamento estão o projeto Biblioteca Unesp, o Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia e o Museu do Café.

Recuperar a produção dos institutos isolados

Desde 2006, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) estabeleceu a normativa de que os programas de pós-graduação devem disponibilizar as produções de seus alunos para a comunidade universitária e para a sociedade em geral. A Unesp segue essa diretriz por meio de seu repositório institucional, que reúne mais de 200 mil documentos. No entanto, ainda há a necessidade de identificar, digitalizar e disponibilizar materiais anteriores a 2006.

O projeto Biblioteca Unesp, liderado pela Coordenadoria Geral de Bibliotecas (CGB), pretende realizar a digitalização retroativa de todas as teses de doutorado e dissertações de mestrado, abrangendo não apenas o material produzido desde a criação da Unesp, em 1976, mas também os documentos do período dos institutos isolados, anteriores à fundação da Universidade. O objetivo é disponibilizar integralmente esse corpus de produção científica para o público em geral.

Segundo a professora Tânia de Luca, da Faculdade de Ciências e Letras do câmpus da Unesp em Assis, responsável pelo projeto submetido à Finep, a digitalização retroativa é essencial para preservar o histórico da produção científica da instituição. “Isso é fundamental para a história das disciplinas, pois nos permite compreender as mudanças na física, química, medicina, história e outras áreas, além de entender como a produção do conhecimento se transformou ao longo do tempo”, explica.

O trabalho será conduzido pela Coordenadoria Geral de Bibliotecas (CGB), sob a liderança de Flávia Bastos, que, além de digitalizar teses e dissertações, realizará um levantamento em todas as 33 bibliotecas da Universidade para identificar coleções de documentos e livros raros, com o objetivo de digitalizá-los. “Nossa intenção é dar visibilidade não apenas à produção científica da Unesp, por meio das teses e dissertações, mas também às coleções especiais, algumas delas raras, que muitas vezes ficam isoladas nas bibliotecas”, destaca de Luca.

Museu abriga maior acervo de cerâmica indígena do estado

Uma das instituições contempladas pela iniciativa apoiada pela Finep é o Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia (CEMAARQ), da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) de Presidente Prudente. O CEMAARQ abriga um acervo com mais de 130 mil peças arqueológicas de origem indígena, pertencentes às tribos ancestrais Guarani, Kaingang e Caiapó. Esses itens foram reunidos ao longo de diversas expedições arqueológicas conduzidas por docentes da FCT desde a década de 1980 e são reconhecidos como Patrimônio da União.

O museu possui a maior coleção de urnas mortuárias e peças de cerâmica de diferentes tradições indígenas pré-coloniais do estado de São Paulo. Também há objetos relacionados à arqueologia contemporânea, como peças da Estrada de Ferro Sorocabana e materiais pertencentes a imigrantes japoneses, além de uma pequena coleção paleontológica.

Exposição do Museu de Arqueologia Regional da Unesp Presidente Prudente

O valor histórico e a dimensão do acervo levaram os coordenadores do CEMAARQ a buscar a modernização da estrutura do museu e a digitalização dos materiais sob sua guarda. “Estamos trabalhando na digitalização das peças. Queremos fotografá-las e também produzir réplicas em 3D”, afirma Luís Antonio Barone, docente da FCT e um dos coordenadores do CEMAARQ. Segundo Barone, a disponibilização de réplicas facilitaria a circulação dos conteúdos e ampliaria o interesse de pesquisadores em conduzir estudos sobre os itens do museu.

Outro objetivo é aprimorar a catalogação e a organização dos materiais do acervo do CEMAARQ, facilitando a busca pelos itens. Também está prevista a modernização da expografia dos objetos, com a inclusão de totens eletrônicos equipados com telas interativas e sistemas de projeção. “Investimos para tornar a exposição mais acessível digitalmente e, ao mesmo tempo, criar um ambiente convidativo e agradável para os visitantes”, explica Barone. “Recebemos muitas visitas de escolas, principalmente da rede pública de ensino. Se a exposição for mais envolvente e atrativa, os jovens podem se interessar não apenas pela arqueologia, mas também pelo letramento científico e pela universidade.”

O museu do café

A terceira iniciativa da Unesp contemplada pelo projeto é o Museu do Café, localizado no câmpus da Unesp em Botucatu, abrangendo toda a área da Fazenda Lageado. O museu ocupa a sede de uma fazenda datada de 1885, tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. O complexo inclui o casarão, a tulha — espaço onde eram armazenados os grãos de café — e os terreiros.”

A fazenda, que esteve entre as maiores produtoras de café de São Paulo, teve sua posse transferida para o Governo Federal em 1934, passando a receber investimentos em maquinários e tecnologia para o desenvolvimento de pesquisas agrícolas. Inicialmente, os estudos eram voltados para o café, mas, posteriormente, foram ampliados para outros grãos. A partir de 1972, o local passou a ser utilizado para pesquisas ligadas ao Ensino Superior.

O acervo do museu reúne documentos e objetos que representam todas as fases da fazenda. No entanto, as fortes chuvas que atingiram Botucatu em 2020 comprometeram parte do acervo, e o museu permanece fechado desde então.

Edifício da Fazenda Lageado

De acordo com Paula Vermeersch, docente do Departamento de Geografia do câmpus da Unesp em Presidente Prudente e responsável pelo projeto de restauração do Museu do Café, o investimento da Finep tem sido fundamental para o avanço dos serviços de restauração, catalogação e digitalização. “A proposta é completar a catalogação e a conservação do acervo documental, incluindo fotos e objetos. Isso abrange todo o material que está no casarão e na biblioteca da Faculdade de Ciências Agrícolas. A digitalização é um passo essencial para aproximar o museu das pessoas”, afirma.”

O trabalho será conduzido por uma equipe de arquivistas, historiadores e museologistas. “Vamos atuar para que o museu volte a ser o que merece: um espaço de reflexão, pesquisa e divulgação científica”, ressalta Vermeersch.

Tanto o Museu do Café quanto os projetos Biblioteca Unesp e CEMAARQ representam avanços significativos na democratização do acesso aos acervos históricos da Unesp. “Atualmente, não se pode mais discutir a questão dos acervos sem abordar a digitalização. Como nossos acervos são públicos, é fundamental conectá-los ao maior número possível de pessoas”, destaca Vermeersch.

Imagem acima: acervo do CEMAARQ exposto no Museu de Arqueologia Regional da Unesp Presidente Prudente. Crédito: Laboratório de Arqueologia Guarani e Estudos da Paisagem –  LAG/FCT/Unesp.