Consuelo de Paula: das congadas em Minas ao Theatro Municipal de São Paulo

Suas composições já foram gravadas por nomes como Maria Bethânia e Alaíde Costa, e ela se apresentou em alguns dos principais palcos do país. Obra da cantora, instrumentista, poeta e produtora musical já alcança 10 álbuns, e o mais novo, “Pássaro do Futuro”, foi lançado este ano.

A trajetória artística de Consuelo de Paula é múltipla. A mineira nascida na pequena cidade de Pratápolis veio para a cidade grande e aqui pode desenvolver e compartilhar seu talento como instrumentista, cantora, compositora, diretora artística, produtora musical e poeta, registrado em 10 álbuns gravados desde 1988.

“A cidadezinha onde nasci, no Sudoeste mineiro, possui uma riqueza especial, que é a Congada. Isso sempre me deixou encantada. Desde pequena, minha avó fazia as capas das rainhas do congado. A rainha é uma penitente, alguém que faz uma promessa para sair como rainha. Eu adorava cumprir essas promessas, pois os participantes vinham te buscar, cantavam para você e seguiam cantando e tocando até a igreja. Então, ali já tinha muita música”, lembra. Depois, passou a participar também de outras manifestações artísticas locais, como o carnaval da cidade, a fanfarra, a seresta. “Até hoje, quando vou criar algo, sinto muito aquele mundo. Apesar do tempo, e de a estética precisar ser contemporânea, a inspiração vem muito daquele período. Conversa com aquelas questões, com as montanhas suaves de Minas e com aqueles grandes quintais”, diz.

Sua discografia teve início com a trilogia Samba, Seresta e Baião (1998), Tambor e Flor (2002) e Dança das Rosas (2004), que serviu de base para a coletânea Patchwork, lançada no Japão. Em 2011, lançou o DVD Negra, que foi seguido pelos CDs Casa (2012), O Tempo e O Branco (2015) e Maryákoré (2019). Em 2020 saiu Beira de Folha, gravado em parceria com o violeiro João Arruda. As letras deste trabalho foram editadas em livro, junto a outros poemas da artista. Recentemente, gravou Pássaro Futuro em parceria com Regina Machado, que criou as melodias para suas letras e poemas.

“A gravação do primeiro disco foi uma coisa muito solitária. Eu sabia o que queria fazer, e já tinha algo ali da produtora musical também. Produzir de forma independente foi consequência de precisar fazer de tudo um pouco, para que a obra se tornasse aquilo que eu pensava. Tinha que amadurecer o roteiro, pensar arranjo e produção. Era tudo muito intuitivo, e isso foi incrível”, relembra. Na época, imprimiu 10 mil cópias do CD, que eram vendidas ao custo unitário de R$30. Esse valor bancava a produção do trabalho seguinte.

“Gostava de produzir o CD e dirigir o projeto. Confesso que tive proposta de uma gravadora multinacional para que produzissem o trabalho, mas neguei. Eles teriam mais controle sobre a obra, e isso fugia da minha essência, da minha relação com a minha música. Mas foi incrível, me abriu muitas portas. Ganhei destaque em mídias nacionais, a crítica da época teceu elogios, em poucos meses jornais do país inteiro estavam falando do álbum. Valeu a pena”, diz.

Durante sua trajetória apresentou-se em templos artísticos dentro e fora do Brasil como o Theatro Municipal de São Paulo e o Gran Rex, em Buenos Aires. Seu trabalho foi destaque na revista japonesa Brazilian Music, e ela se apresentou em alguns dos mais importantes programas musicais da televisão brasileira, Ensaio e Balaio, ambos da TV Cultura. Suas canções foram gravadas por importantes nomes da MPB, como Maria Bethânia e Alaíde Costa.
Entre os projetos de que participou destacam-se o Projeto Pixinguinha, da Funarte, o espetáculo Elas em Cena, com Cátia de França e Déa Trancoso, o CD e show Canta Inezita e o livro Retratos da Música Brasileira, que marcou os 50 anos da TV Cultura.


“Foram inúmeros momentos importantes e prazerosos durante a estrada. Posso destacar o fato da Maria Bethânia gravar uma canção minha, Sete Trovas,  como algo muito marcante. Trata-se de uma artista que eu admiro muito. E também as passagens pelos palcos do Theatro Municipal de São Paulo, do Parque do Ibirapuera e do Gran Rex. Quando você pisa num grande palco, em uma apresentação tudo se amplia. Eu tinha a sensação de estar voando ali em cima. Dessas coisas não vou esquecer”, diz.

Pássaro do Futuro

Em fevereiro, foi lançado seu mais recente álbum Pássaro Futuro. Ela é a autora das letras, que foram musicadas por Regina Machado. O álbum está disponível nas principais plataformas digitais de música e representa um momento importante na carreira de ambas. A artista conta que recorre à intuição aguçada na hora de colocar versos no papel.

“É o canal da arte mesmo. Está ali, e por meio dele visito coisas incríveis. Por exemplo, a canção Ayrá (do álbum Pássaro Futuro): eu não sabia que era um orixá do vento. Mas era um nome forte, que estava falando do voo de uma ave branca, que é o mote do álbum, e casou perfeitamente. Não há nada sobrenatural, é a minha intuição artística, e uma relação mental que eu tenho com a obra que estou criando. É uma mistura entre o inconsciente e o consciente. Comparo essa questão com uma pessoa que tem facilidade com línguas. Quando ela se relaciona com essa facilidade, começa a entender isso facilita seu aprendizado de línguas de diferentes nações. Creio que tudo isso faz parte do nosso ofício”, diz.

Consuelo enxerga sua obra como um corpus único, integrado. “Essa obra, que venho construindo durante a vida, é que me move. Não é a cantora, compositora, violonista, letrista ou instrumentista. Mas é essa artista que precisa se expressar e é através da música. Agora estou em um disco novo, estou me relacionando com um novo ciclo de criação. Você vê mais esse tipo de criação na pintura ou cinema:  algo como se fosse seguir um sonho. Enfim, vejo essa maluca extremamente dedicada, e uma entrega absurda movida pela arte”, diz.


Confira abaixo a entrevista completa ao Podcast MPB Unesp.