A área de ciência de materiais também possui suas estrelas em ascensão – pelo menos 19 delas. Quem diz isso é a Sociedade Americana de Química (ACS), que anualmente organiza e divulga uma lista de jovens pesquisadores que estão despontando, a fim de chamar a atenção para as contribuições que eles vêm aportando para a área. A lista mais recente, divulgada em fevereiro, inclui o nome da física Priscila Alessio, docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, câmpus de Presidente Prudente. Em março, a ACS publicou uma edição especial do seu periódico, ACS Materials AU, com artigos de autoria dos pesquisadores selecionados. Segundo a instituição, o grupo de estrelas em ascensão representa a profundidade, a diversidade e a interconectividade características das pesquisas em ciência de materiais, tal como são conduzidas hoje em escala global.
Os pesquisadores da área de ciência de materiais buscam entender de que modo as propriedades dos materiais são influenciadas pelas características de sua estrutura, seja em nível atômico, molecular ou mesmo macroscópico. Por exemplo, determinadas organizações das moléculas de um plástico podem torná-lo mais resistente ao calor, como no caso das embalagens que suportam micro-ondas, ou mais flexível ao toque, propriedade observada nas garrafas PET recicláveis. Partindo desse conhecimento, é possível aperfeiçoar os materiais já existentes ou mesmo criar algo inteiramente novo, com aplicações que podem se estender dos componentes eletrônicos até a indústria têxtil.
As pesquisas de Alessio tem como foco o nível molecular, em um processo conhecido como nanoestruturação. Neste processo, os pesquisadores criam estruturas ultrafinas, com espessuras que variam entre 10 nanômetros e 100 nanômetros (ou 0,000.000.001 metro) e conseguem controlar o modo como são ordenadas as moléculas que compõem as estruturas. Essa abordagem permite criar películas muito finas, chamadas de filmes, com uma organização molecular específica, que podem ser aplicadas nos componentes eletrônicos de sensores para aumentar sua sensibilidade ou tempo de leitura.
“Esse é o carro chefe da minha pesquisa”, diz a docente, “produzir filmes nanoestruturados que permitam melhorar o desempenho de sensores. Em particular, sensores ambientais que permitam identificar contaminantes na água, por exemplo”. Na Unesp, Alessio lidera o grupo NanoAmBio – Laboratório de Materiais Nanoestruturados para Análises Ambientais e Biológicas, dedicado ao desenvolvimento de materiais nanoestruturados com aplicações em sensores e remediação ambiental.
A preocupação com a sustentabilidade é um tópico é cada vez mais relevante no âmbito da pesquisa global, e na ciência dos materiais não é diferente, uma vez que o campo possui o potencial de desenvolver novos componentes que se mostrem menos prejudiciais ao meio ambiente. Com esse intuito, o grupo de Alessio investiga meios para desenvolver filmes nanoestruturados a partir de materiais biodegradáveis, como o papel. Atualmente, o material que embasa a produção dos filmes nanoestruturados é o vidro, que apresenta facilidades para ser manipulado graças a sua superfície rígida e extremamente lisa, o que facilita sua manipulação.
“Na literatura científica ainda não há uma discussão expressiva sobre a nanoestruturação em dispositivos chamados de não convencionais, nos quais se começa a abandonar substratos mais comuns para utilizar outros que sejam biodegradáveis”, diz Alessio. Os substratos são justamente a base dos filmes produzidos, onde as moléculas serão ordenadas. Por estar liderando pesquisas dentro desse campo, o corpo editorial da ACS Materials AU selecionou para publicação em sua edição especial o artigo “Nanostructured Thin Films Enhancing the Performance of New Organic Electronic Devices: Does It Make Sense?”, escrito sob a liderança de Alessio e que contou com outras três pesquisadoras do NanoAmBio: Milene K. C. da Silva, Vitoria Barossi e Celina M. Miyazaki.
Materiais biodegradáveis ainda apresentam desafios
O artigo discute se a nanoestruturação conservará, no campo dos dispositivos biodegradáveis, a mesma importância que possui para a produção dos dispositivos convencionais. “Ainda não existe uma resposta definitiva, mas acreditamos que sim”, diz Alessio. “A questão é que, em geral, o desempenho dos dispositivos biodegradáveis ainda não se compara ao dos tradicionais. Isso, muitas vezes impede que eles sejam substituídos. No caso dos substratos biodegradáveis, ainda existem alguns empecilhos centrais como a flexibilidade e a textura, o que dificulta a aplicação, especialmente em larga escala”, diz.
Alguns dos principais candidatos para substratos biodegradáveis são o papel, a nanocelulose e o ácido polilático (PLA), que consiste em um termoplástico obtido a partir do amido. Entretanto, todos apresentam, mais ou menos, os mesmos desafios para aplicação. Entre eles está o fato de contarem com superfícies porosas e irregulares, o que torna mais difícil o processo de organização das moléculas para criação dos filmes nanoestruturados. Outro ponto de conflito é que, em geral, materiais naturais contam com variações de lote para lote, o que pode dificultar sua generalização e aumentar o risco de reações inesperadas com os solventes utilizados nos processos de produção. Por fim, mas não menos importante, está o fato de que algumas das técnicas mais comuns de nanoestruturação têm como base o uso de água. Ao utilizar papel ou nanocelulose, seria preciso impermeabilizar de alguma forma esses substratos para que eles aguentem o processo.
Outro desafio é a flexibilidade de uma parte dos substratos biodegradáveis. “Pensando em dispositivos comerciais, como os testes de Covid-19, se tivermos um substrato flexível, ele tem que ser pensado de forma que resista à manipulação, para evitar que ele deixe de funcionar com facilidade”, diz Alessio.
Sensores no monitoramento do meio ambiente
Apesar dos desafios, a docente ressalta que o campo está em franca expansão e atrai o interesse de pesquisadores ao redor do mundo — em especial, diante da crescente demanda por tecnologias mais sustentáveis. Nesse contexto, mesmo que que um futuro em que os substratos biodegradáveis sejam amplamente utilizados pareça distante, só os avanços alcançados no desenvolvimento de filmes nanoestruturados contribuíram significativamente para tecnologias voltadas à preservação e à remediação ambiental.
Esse tem sido outro foco de Alessio que, desde 2022 tem trabalhado com a produção de filtros nanoestruturados. “Aplicamos técnicas de nanoestruturação para modificar filtros com a intenção de remover contaminantes da água”, explica a pesquisadora. Na mesma linha, desde o segundo semestre de 2024, assumiu a coordenação do Laboratório de Análises de Resíduos de Agrotóxicos (Lara), que está sendo criado no câmpus de Presidente Prudente. O objetivo da instalação, implementada em parceria entre as esferas estadual e federal do Ministério Público e a Unesp, é prestar serviços de análise e laudo da presença de pesticidas e contaminantes em água e alimentos.
“Essa é uma questão muito importante na nossa região, porque aqui há muitas culturas diferentes que usam pesticidas. Precisamos conscientizar as pessoas quanto a esse uso e também incentivar o monitoramento, porque se trata de uma questão de saúde pública”, diz Alessio. A iniciativa ainda está em fase de implementação e a estimativa é que as operações tenham início no segundo semestre de 2025, para pesquisa, e finais de 2026, para a prestação de serviços.
Reconhecimento que serve de inspiração
Alessio celebra sua inclusão na lista da ACS como uma importante validação de sua trajetória acadêmica. Porém, deixando claro que não se trata de uma conquista meramente pessoal, e sim a colheita do trabalho em grupo que vem desenvolvendo ao longo de anos. E destaca outros efeitos positivos, como a possibilidade de servir de incentivo a novas gerações de meninas e mulheres para ingressarem na ciência.
“Graças a esse ganho de visibilidade, as meninas podem ver que uma professora do interior conseguiu obter um reconhecimento. E também pode motivar mais pesquisadoras mulheres a se inscreverem e a participar dessas chamadas.” Outro benefício é articular uma rede de apoio e inspiração. “As mulheres têm uma síndrome de impostor mais forte do que os homens. A gente precisa exercer este esse trabalho de motivação interna e de incentivar mais mulheres a se candidatarem às premiações”, diz.
Imagem acima: capa da edição especial. Crédito: ACS.