Premiado pela Sociedade Brasileira de Computação, projeto de extensão da Unesp incentiva a participação de mulheres nas carreiras de STEM

Desde 2020, o grupo "Garotas nas Engenharias, Ciências Exatas e Tecnologias" (GECET) apoia estudantes de ensino médio, graduação e pós, buscando fomentar o interesse por estas áreas e diminuir índices de evasão feminina. Iniciativa foi laureada em 2024 por seu impacto social.

A data de 11 de fevereiro é comemorada internacionalmente como Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A efeméride celebra a contribuição feminina nos campos da ciência e tecnologia, e chama a atenção para os obstáculos que ainda limitam a participação delas nessas atividades.

De fato, dados da Unesco mostram que apenas 33,3% dos pesquisadores no mundo são mulheres, e, dessas, somente 35% atuam nas áreas chamadas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). No Brasil, o cenário é ainda mais desigual: mais de 70% das mulheres que ingressam no ensino superior optam por cursos nas áreas de saúde e bem-estar, enquanto menos de 40% escolhem engenharia e menos de 20% atuam nas áreas de tecnologia da informação e comunicação.

Por todo o globo, grupos e coletivos de mulheres têm se articulado procurando pelo menos contribuir para mudar esse quadro, e instaurar um ambiente de maior igualdade no universo de C,T&I. Uma destas iniciativas, concebida e coordenada por docentes da Unesp, é o projeto de extensão  “Garotas nas Engenharias, Ciências Exatas e Tecnologias” (GECET).

Criado em 2020 por Marilaine Colnago, do Departamento de Ciências de Computação e Estatística, câmpus da Unesp de São José do Rio Preto, o projeto iniciou-se no câmpus da Unesp de Rosana, para atender as estudantes do curso de turismo lá situado que desejavam aprender um pouco de programação.

Algumas estudantes dos cursos de engenharia de Rosana sugeriram a organização de um curso de extensão para atender as colegas. Mas Marilaine já enxergava a possibilidade de fazer algo mais.

As professoras Grasiele Cristiane Jorge (Unifesp), Marilaine Colnago (Unesp) e Evelise Roman Corbalan Góis Freire (UFLA), integrantes externas do GECET durante o período da pandemia. 

“Em 2019, participei do Congresso da Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional. Lá, assisti a um minissimpósio realizado por um comitê de mulheres para debater a questão de gênero na ciência. Aquilo ficou na minha cabeça, e pensei: podemos fazer algo maior do que um curso. Vamos criar um projeto”, diz Marilaine.

O GECET nasceu com a perspectiva de atuar em duas frentes. Junto às mais jovens, incentiva meninas a se familiarizarem com a área de STEM e a se interessarem por uma carreira nessas áreas. Mas também dá apoio aquelas que já estão matriculadas em algum curso de graduação ou pós-graduação, a fim apoiá-las e reduzir a evasão.

Embora o projeto tenha sido concebido para apoiar estudantes do câmpus de Rosana, o contexto difícil da pandemia de covid-19 em 2020 abriu espaço para que graduandas e pós-graduandas de outras unidades da universidade participassem remotamente das atividades. Atualmente, o GECET está presente na Faculdade de Engenharia e Ciências, campus da Unesp de Rosana, Faculdade de Ciências e Letras, de Araraquara, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, de São José do Rio Preto, e Faculdade de Ciências e Tecnologia, de Presidente Prudente. Durante a pandemia, também houve participantes das universidades federais de Lavras, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Já passaram pelo projeto cerca de 50 colaboradoras, entre graduandas, pós-graduandas e até docentes dos cursos de Engenharia de Energia, Engenharia de Bioprocessos, Ciência da Computação, Matemática, Física e Pedagogia. Atualmente, o GECET é tocado por 21 integrantes, todas mulheres, incluindo estudantes de graduação e pós-graduação, docentes da Unesp e membros externos, que se dedicam a oferecer lições de programação para alunas do ensino básico, elaborar materiais didáticos exclusivos, planejar oficinas e mentorias para professores da rede pública e produzir conteúdo para redes sociais. Ao longo da sua existência, o GECET já fez parcerias formais com dez escolas para realização de atividades nas áreas de programação e ensino de ciência, nas quais conseguiu atender mais de 200 meninas.

Foco principal nas escolas

A principal atividade do projeto, desde sua concepção, é a atuação em escolas de ensino fundamental e médio. Isso se dá  por meio da produção de almanaques com propostas didáticas, de guias de profissões e de outros materiais didáticos que visam incentivar o ingresso na ciência. “Queremos mostrar para as meninas que há espaço para elas caso queiram ingressar nessa área. Explicar que há espaço na graduação, na pós-graduação, na carreira acadêmica e na pesquisa. E tentamos sempre proporcionar um ambiente que se mostre acolhedor em todos os níveis”, diz a docente.

Além da criação de materiais didáticos, o grupo também conduz aulas remotas que ensinam os princípios básicos da linguagem de programação Python, amplamente usada em aplicações da Web, desenvolvimento de software, ciência de dados e machine learning. Essa iniciativa fez com que o projeto integrasse, em 2020, a rede Pyladies, uma comunidade internacional que ensina Python com o propósito de instigar mais mulheres a ingressar na área tecnológica.

Em 2021 o grupo firmou uma parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro para ensinar a linguagem Python a crianças e jovens por meio de práticas lúdicas, como a criação e a programação simplificada de jogos eletrônicos. A atividade repercutiu bem junto à meninada. “Os pais [de uma aluna] vieram falar do quanto ela ficou interessada. Ficava focada em desenvolver o joguinho, e dizia que queria aprender mais e fazer um curso de robótica depois”, lembra a professora.

A partir das experiências com o ensino de Python e com a atuação em escolas, as participantes do projeto produzem artigos científicos que são publicados em eventos da Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional. Já foram produzidos oito artigos e, no momento, há uma pesquisa de iniciação científica em vigor. Toda a produção propõe reflexões sobre questões de gênero dentro da área científica e computacional.

Projetos diferentes a cada ano

A cada ano, a coordenação do GECET seleciona uma temática diferente para ser trabalhada em suas atividades fora do âmbito da Unesp. “Já atuamos com professores e licenciandos para falar do estereótipo de gênero no ambiente escolar, já tratamos de jogos e programação com meninas adolescentes, e já oferecemos mentorias”, diz Marilaine. “No edital mais recente, o nosso tema principal é a liderança feminina.”

Em 2025, o projeto entrará em uma nova fase. A coordenação ficará a cargo da professora Rogéria Cristiane Gratão de Souza, do Departamento de Ciências de Computação e Estatística, que retomará o tema do estereótipo de gênero no ambiente escolar. Dessa vez, no entanto, em vez atuar apenas virtualmente, como ocorreu durante a pandemia, serão realizadas atividades presenciais com professores e alunos de cinco escolas da rede pública de São José do Rio Preto.

“Para professores, a ideia é promover ações de capacitação que visem prepará-los para lidar com questões de gênero em sala de aula. As alunas participarão de atividades práticas de programação para motivar as meninas a seguirem na carreira de STEM”, explica a docente do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE).

Cartaz mostra diversos trabalhos produzidos por estudantes de escola pública participante do projeto para refletir sobre os estereótipos de gênero.

Atividades para graduação e pós

 Além das atividades extramuros, o projeto também possui uma forte atuação dentro da Universidade, oferecendo uma rede de apoio para estudantes de graduação e pós-graduação que atuam nas áreas de STEM. De acordo com Marilaine, são realizadas mentorias com as universitárias para discutir a evasão acadêmica, um risco real. “As meninas que estão na graduação às vezes podem se sentir  perdidas por serem minoria [no curso]”, explica ela.

Rogéria diz que o GECET funciona também como uma rede de apoio capaz de enfrentar e transformar situações negativas relacionadas ao gênero, tornando o ambiente acadêmico mais justo e igualitário. “A troca de experiências entre professoras e alunas é muito enriquecedora, pois contribui para o engajamento da comunidade e a valorização da participação feminina na ciência”, diz.

 A doutoranda Giovana Augusta Benvenuto beneficiou-se desse apoio. Ela participa do projeto desde 2021 e, atualmente, coordena as atividades de programação realizadas nas escolas.  Giovana era a única mulher em sua turma de ciência da computação, área amplamente vista como masculina. “Tive uma graduação muito tranquila, mas senti falta de representatividade nos estudantes do curso, nas aulas e até entre os professores. Entrar no GECET  foi muito enriquecedor, tanto como cientista, quanto como mulher que atua nessa área”, diz.

Rafaella Silva Ferreira, aluna de doutorado em ciência da computação, descreve uma experiência similar. Ela relata que, quando cursou o bacharelado em matemática, enfrentou dificuldades no início devido à baixa presença de mulheres no curso, tanto entre as alunas quanto entre as professoras. “Vi no projeto um ponto de apoio para meninas que estavam ingressando na faculdade, ajudando a reduzir as dificuldades que poderiam levá-las a desistir”, explica. Participante do GECET desde 2020, hoje ela coordena as redes sociais do grupo, que, juntas, já somam mais de 2 mil seguidores. “Quero estar no projeto para ser esse apoio e inspirar outras meninas”, diz.

Outro recurso adotado pelo grupo é a realização de palestras e lives com mulheres de destaque em suas profissões, com o objetivo de difundir histórias de sucesso. Entre as palestrantes mais recentes estão: Monica Abrantes, vice-diretora do IBILCE; Kátia Zanvettor, doutora em educação e que atua no jornalismo científico; e Maité Kulesza, professora associada da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

“A partir da divulgação dessas atividades, recebemos vários relatos de mulheres pelo nosso Instagram elogiando nossos posts e o nosso projeto, e relatando que se sentiram motivadas. Esse contato nos aproxima, principalmente das pessoas que ainda não estão diretamente envolvidas com ciência”, explica Rafaella, que se dedicou a aprender como atuar nas redes sociais especificamente para colaborar com o grupo nesta área.

Iniciativa recebeu três prêmios desde 2022

Ao longo de quase cinco anos de existência, o projeto conseguiu estabelecer parcerias com o Programa Meninas Digitais, da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), e contou com o apoio do comitê Mulheres na Matemática Aplicada e Computacional. Além disso, o GECET recebeu alguns prêmios por sua atuação. Em 2022 e 2023, o grupo recebeu o prêmio de projeto mais engajado nas redes sociais no Woman in Information Technology, workshop organizado pela SBC com o objetivo de debater problemas relacionados à mulher e o seu acesso à Tecnologia da Informação. Em 2024, o grupo recebeu uma menção honrosa no Prêmio Luiz Fernando Gomes Soares de Computação, da SBC, que reconhece iniciativas inovadoras.

A menção honrosa no prêmio Luiz Fernando Gomes Soares durante encontro da Sociedade Brasileira da Computação em 2024

“É uma conquista muito significativa, pois podemos afirmar que o GECET está fazendo a diferença socialmente e gerando um impacto real. Nosso principal objetivo é alcançar o máximo possível de meninas e mulheres”, diz Marilaine.

“É muito importante que a universidade abrigue grupos destinados ao apoio e à representatividade, para que outras meninas se sintam incentivadas a ingressar s e não fiquem desmotivadas pelos números que mostram uma maioria masculina nos cursos. Podemos perseverar e conquistar esses espaços também”, diz Giovana.

Imagem acima: depositphotos