As negociações conduzidas pela Organização das Nações Unidas para articular um acordo internacional que reduza a poluição por plástico terminaram no último dia 1/12, num clima de fracasso. Após cinco dias de conversas, os representantes de mais de 170 países que se reuniram na cidade sul-coreana de Busan não conseguiram chegar a denominadores comuns sobre propostas como a limitação à produção dos plásticos ou o apoio às atividades de reciclagem.
Um dos temas debatidos durante a conferência foi a poluição do oceano por microplásticos, partículas com menos de um milímetro de extensão. Estudo publicado em 2023 na revista científica Plos One estimou em 170 trilhões o total de micropartículas existentes apenas nos mares, o que corresponderia a uma massa total de 2,3 milhões de toneladas. Nos últimos anos, pesquisadores em todo o mundo têm investigado os impactos dos microplásticos na saúde humana e no meio-ambiente.
O combate à poluição marinha por plásticos é uma das três prioridades listadas no primeiro dos 10 desafios da agenda da Década dos Oceanos, iniciativa da ONU que busca conservar o ambiente marinho para o século 21. Diante do desafio de desenvolver novas tecnologias capazes de dar conta desta tarefa de dimensões planetárias, muitas são as novas tecnologias que estão sendo investigadas. E um estudo recente, conduzido por pesquisadores da Unesp, avaliou o uso de microrganismos naturais do ambiente de manguezal para degradar o material. O estudo foi publicado na revista Journal of Marine Science and Engineering.
O trabalho foi conduzido pelo biólogo Arthur Pérez Aguiar, que é doutorando no Programa de Pós-graduação em Biodiversidade de Ambientes Costeiros no Instituto de Biociências da Unesp, câmpus do Litoral Paulista (IB-CLP). Seu interesse pelo tema surgiu ainda na graduação, quando escolheu como tema para seu trabalho de conclusão de curso em Ciências Biológicas, uma revisão de estudos sobre o uso de microrganismos para degradar um fármaco poluente — o anti-inflamatório diclofenaco — nos mares. Por que não tentar o mesmo processo, pensou, tendo porém como objeto a ser degradado algo algum tipo de plástico?
A opção por pesquisar fungos levou-o a descobrir o trabalho de Cristiane Ottoni, docente do IB-CLP, que é referência na área no Brasil. Ottoni vinha trabalhando desde 2017 com a possibilidade de usar colônias fúngicas na biodegradação de plásticos.
Quando Aguiar entrou no programa como aluno de mestrado, os estudos laboratoriais sobre o tema ganharam corpo e densidade. A pesquisa de mestrado envolveu o isolamento de fungos e a realização de experimentos para testar sua capacidade de biodegradarem um tipo comum de microplástico: o polietileno, resultado da fragmentação de embalagens, sacolas plásticas, brinquedos, tubos de encanamento e outros produtos de uso diário.
“Para ser capaz de sobreviver, o fungo libera enzimas no meio para digerir qualquer coisa”, explica Ottoni. “No caso do teste com microplástico, a gente coloca o fungo em um ambiente com baixa fonte de carbono e de hidrogênio. Nestas condições, ele fica extremamente estressado e libera enzimas que podem quebrar ou começar a romper as ligações desses polímeros, que é o que a gente está buscando.”
Embora os testes tenham sido bem-sucedidos, chegar até eles foi uma tarefa complexa e desgastante — um “trabalho de formiguinha”, como diz Ottoni. Primeiro, porque precisaram selecionar e cultivar determinados tipos de fungos. Optaram, desde o início, por isolar fungos de uma região de manguezal.
Manguezais são para os fortes
Manguezais são ambientes exigentes no que tange às condições que oferecem para a vida. Seu solo lamacento apresenta baixa concentração de oxigênio e são pobres do ponto de vista nutricional. Devido ao movimento das marés, alternam inundações e secas, o que resulta na oscilação entre submersão e exposição ao ar. Também estão expostos à força das ondas e à variação de temperaturas.
Em especial, os pesquisadores estavam interessados na capacidade dos fungos de lidarem com a alta salinidade que é encontrada nesses ambientes. “Pensamos: se um fungo tem competência para viver num lugar tão extremo, talvez tenha competência para, de alguma forma, atacar essas cadeias carbônicas tão complexas”, conta Ottoni.
O trabalho envolveu análises macroscópicas e microscópicas de colônias dos fungos. A pesquisa teve apoio do Instituto de Estudos Avançados do Mar (IEAMar), da Unesp, na forma de cessão de espaço, equipamentos e pessoal.
A Aguiar coube a tarefa de isolar os fungos, um processo minucioso que poderia levar de dois a três meses para cada tipo de fungo. Em seguida, foi a vez de selecionar alguns para fazer o teste de degradação inicial. Havia, segundo o biólogo, dois grupos de controle: o primeiro, só com um fungo e o meio; outro, com o fungo e o microplástico.
“Em nossa avaliação principal, verificamos se houve diminuição do peso do microplástico, em paralelo ao crescimento do fungo, em comparação com o grupo em que havia apenas o fungo e o meio”, explica Aguiar. “Se uma alta atividade enzimática estivesse se desenvolvendo, a gente perceberia o trabalho em cima do polietileno, degradando-o.” Foi o que aconteceu.
No total, dentre os 52 tipos de fungos isolados que foram avaliados, seis se mostraram capazes de degradar o microplástico: Penicillium aff. chrysogenum MQ1A, Trichoderma aff. pseudokonigii MQ1B, Aspergillus sp. MQ1C, Trichoderma aff. pseudokonigii MQ2A, Aspergillus sp. AQ2A e Aspergillus sp. AQ3A. No estudo, o Aspergillus sp. AQ3A apresentou a melhor performance, proporcionando uma redução de 47% do peso residual de microplástico de polietileno.
“É um primeiro passo importante”, diz Ottoni. “Mas é bom ressaltar que se trata de um processo inicial. Muitos testes ainda precisam ser feitos.” Aguiar concorda: “Adotamos condições no experimento que são muito diferentes do que ocorre em condições naturais. Às vezes, no ambiente, pode haver mais de um tipo de fungos e mais de um tipo de plástico, por exemplo. É possível que não haja a mesma eficiência que vimos no laboratório”, diz. De acordo com a dupla, a próxima etapa será a identificação das enzimas envolvidas no processo de degradação do polietileno, uma tarefa complexa.
Mais fácil degradar o plástico do que substituir
Estudos indicam que, até 2060, os microplásticos representarão cerca de 13% dos poluentes plásticos no mundo. O agravante é que esses resíduos são duradouros e se acumulam rapidamente no solo e na água. Aguiar e Ottoni especulam sobre as possibilidades de aplicações dos fungos para mitigar os efeitos da proliferação de microplásticos no meio ambiente. ”Uma possibilidade pode ser o tratamento de esgoto”, opina ele. “Nas estações, o microplástico tem passado muito fácil, então poderia servir como um tratamento terciário.”
Ottoni, por sua vez, imagina que os fungos talvez possam servir como tratamentos em depósitos de lixo. “Pode haver um conjunto enzimático capaz de pelo menos reduzir o volume que está ali. Ou permitir que o plástico seja absorvido em menos tempo pelo ambiente.”
Independentemente do uso, a dupla concorda que a busca por soluções em favor da economia circular é imprescindível. “Estamos trabalhando nesse sentido. Queremos encontrar soluções limpas, já que dificilmente haverá uma substituição do plástico por parte das indústrias”, diz Ottoni.
“A parte que mais me toca é a infinidade de benefícios que os fungos podem proporcionar. As enzimas deles, por exemplo, podem ser utilizadas em múltiplas abordagens ecológicas”, diz Ottoni. “Quero que eles sejam cada vez mais aplicados em áreas que impactem a vida das pessoas.”
Imagem acima: o fungo Aspergillus, uma das espécies avaliadas no estudo. Crédito: Depositphotos.