Poucas experiências podem ser mais inspiradoras para um pesquisador no início de sua trajetória do que receber uma premiação das mãos de um ganhador do prêmio Nobel. O jovem botânico brasileiro Felipe Yamashita, que cursou a graduação e o mestrado no Instituto de Biociências da Unesp, câmpus de Botucatu, teve essa rara oportunidade no último dia 12 de setembro, em uma cerimônia realizada no prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. O ganhador do Nobel de economia de 1997, o norte-americano Robert C. Merton, entregou a Yamashita a láurea correspondente à categoria de botânica do prêmio Ig Nobel pela pesquisa sobre fisiologia vegetal que o brasileiro conduziu durante o período de seu curso de doutorado cursado na Universidade de Bonn, na Alemanha.
A premiação, cujo nome evoca o prêmio outorgado pela Academia Real Sueca de Ciências, ocorre anualmente desde 1991 e tem como lema destacar “pesquisas que fazem rir e depois pensar”. Os curadores adotam a estratégia de empregar um tom descontraído e jocoso para chamar a atenção do público geral para estudos com bom embasamento científico, a fim de fomentar o interesse em ciência, medicina e tecnologia. Durante o evento, dez nobelistas entregaram os prêmios a dez laureados, que enfrentaram o desafio de proferir palestras no estilo “24/7”, nas quais devem explicar seus trabalhos em 24 segundos e, na sequência, refazer a explicação em apenas 7 palavras.
Ainda na graduação, Yamashita interessou-se pela área de fisiologia vegetal. Durante seu doutorado na Alemanha, o biólogo dedicou-se a observar o comportamento peculiar de uma trepadeira chamada Boquila trifoliolata que, por um mecanismo ainda não descoberto, consegue imitar o formato de outras plantas – inclusive plantas de plástico. As observações foram publicadas no artigo Boquila trifoliolata mimics leaves of an artificial plastic host plant, escrito em colaboração com o pesquisador norte-americano Jacob White.
A trepadeira Boquila trifoliolata, apresenta folhas pequenas, que podem chegar a medir até 6 cm e contam com três “pontas”, ou lóbulos, como são chamados. Endêmica do Chile e da Argentina, ela é extremamente eficaz em passar despercebida, graças à sua habilidade única de imitar o formato das folhas das plantas próximas ou das que utiliza como suporte para crescer. Esse mecanismo é tão bem desenvolvido que, apesar da planta ter sido descrita em 1800, sua habilidade de mimetizar outras espécies só foi divulgada em 2014, pelos pesquisadores chilenos Ernesto Gianoli e Fernando Carrasco-Urra.
“Existem diferentes plantas que imitam outras espécies, ou mesmo outras coisas, como é o caso da suculenta Lithops, da África do Sul, que imita o formato e as cores de pedras. Mas, o que torna a Boquila especial é que ela é a única planta conhecida que consegue mudar sua forma de maneira tão rápida e imitar tantas espécies diferentes”, explica Yamashita. Até o momento, constatou-se que a Boquila foi capaz de imitar mais de 20 espécies distintas. Segundo Yamashita, uma das consequências dessa habilidade é que, ao se confundir em meio a outras plantas, a trepadeira acaba não sendo alvo de predadores herbívoros, o que favorece sua sobrevivência.
O mecanismo que faz com que a Boquila consiga ser uma mímica tão bem sucedida ainda é desconhecido. A hipótese de Gianoli e Carraco-Urra explorava a ideia de que a trepadeira poderia obter informações sobre o formato das plantas copiadas através do contato com material genético, de compostos voláteis orgânicos (como moléculas de carbono) ou mesmo a partir de bactérias presentes em ambas as plantas. No artigo, publicado em 2021, Yamashita e White vão em outra direção: eles defendem que as trepadeiras são capazes de “ver” o formato de outras folhas, o que permite copiar sua aparência.
A importância da internacionalização
Yamashita iniciou a vida acadêmica em 2010, no curso de Licenciatura em Biologia do IB-UNESP. “Eu nunca gostei de botânica, por conta disso, quando entrei na graduação comecei a me envolver com a área médica da biologia”, relata o pesquisador, que diz que uma das coisas que o afastava dessa área era a quantidade de nomes e partes que precisavam ser decoradas.
Os interesses mudaram drasticamente de direção quando, em 2014, Yamashita conseguiu ir para a Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, graças ao Programa Ciências Sem Fronteiras.
A universidade estadunidense contava com um curso geral chamado “Ciência Ambiental”, com foco em ecologia e botânica, o que obrigou o brasileiro a se envolver e aprender mais sobre essas áreas. Foi com alegria que, passado o período de intercâmbio, o então estudante voltou com interesse de seguir nesse campo de pesquisa o que o motivou a entrar para o laboratório do professor Luiz Fernando Rolim de Almeida. “Na época, o Luiz era o coordenador do curso e ele me ajudou com todas as burocracias envolvidas no Ciência Sem Fronteiras então, quando eu voltei, nós já nos conhecíamos o que ajudou para que a transição fosse bastante tranquila. Naquele momento, comecei um estágio no seu laboratório de ecofisiologia vegetal”, lembra Yamashita.
“O Felipe soube aproveitar as oportunidades”, diz Almeida. “No caso da participação no Ciência sem Fronteiras, ele, por conta própria, encontrou uma universidade, encontrou pesquisadores, e viajou para participar de atividades e assistir a algumas aulas. Ficou evidente como a experiência lá fora deu a ele outra visão da ciência”, diz o docente da Unesp.
Posteriormente, Yamashita ingressou no mestrado, sob orientação de Rolim. Nesse período, o docente organizou um simpósio internacional para debater fisiologia sistêmica. A vinda dos estrangeiros para apresentarem seus trabalhos no evento. “Surgiu a possibilidade de estabelecer parcerias internacionais, e foi quando o Felipe decidiu se candidatar a cursar o doutorado na Alemanha, estudando com um pesquisador renomado”, diz.
A indicação para o IgNobel pegou Yamashita de surpresa. “Para ser sincero, não conhecia esse prêmio”, confessa. Entretanto, em conversa com seus orientadores no Brasil e na Alemanha, todos entenderam que, apesar da roupagem cômica, o reconhecimento era algo positivo e possibilitaria chamar mais atenção para a pesquisa. “Vi a premiação como uma grande oportunidade para que o trabalho do Felipe pudesse aparecer e apresentar outras visões sobre o crescimento vegetal diferentes das que são mais comuns neste campo de pesquisa”, diz Almeida.
Yamashita ressalta que o caráter inovador e “fora da caixa” da premiação também é uma forma de valorizar a produção científica criativa e chamar a atenção do público. “Acho que falta muito a percepção de que podemos falar das nossas pesquisas sem esse teor rigoroso e sério da academia e que a ciência também pode ser algo que a comunidade pode participar e entender”, diz.
Imagens: arquivo pessoal.