Marina Lima: o chamado da música

Cantora, compositora e instrumentista construiu carreira de sucesso, recheada de hits, sem abrir mão do compromisso com a qualidade e a liberdade para se reinventar criativamente sempre que quisesse. Mas faz questão de não repousar nos louros do passado. “Os desafios dos nossos tempos são o que me mantém ligada na vida”, diz.

A compositora, cantora, instrumentista e escritora Marina Lima é autora de uma obra musical diferenciada, que preza por sua integridade e por expressar fielmente o percurso estético da artista.

Marina Correia Lima  nasceu em 17 de setembro de 1955 no Rio de Janeiro. Aos 5 anos de idade se mudou para Washington, capital dos EUA, para acompanhar o pai, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Para se adaptar à nova realidade e diminuir um pouco as saudades do Brasil, ganhou um violão.

“Tudo iniciou lá nos Estados Unidos. Eu fui alfabetizada em inglês. Cheguei lá no primeiro ano primário. Até falava português também, mas não sabia escrever em português. Eu não gostava de morar lá. Eu gostava do Rio de Janeiro, onde nasci, de morar de frente à praia. Não entendia a nossa vida lá. Quando tinha seis anos, meu pai percebeu que comecei a ficar uma criança melancólica e me deu um violão. Isso abriu outro lugar dentro de mim, um canal para extravasar a saudade. E foi muito bom. A partir disso, nunca mais me afastei da música. Foi um processo terapêutico, uma inclinação e uma salvação.”

Marina não nasceu em uma família de artistas. Mas seus pais eram pessoas sensíveis, progressistas e que abraçaram sua inclinação artística. “Inicialmente, minhas influências eram os vinis que meus pais levaram para os EUA. Elis Regina, Elizeth Cardoso, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, até Sérgio Mendes. E era louca por rádio. Sempre adorei, passava o dia inteiro escutando. Em 1965 apareceram os Beatles, a música negra americana, o Tom Jobim havia estourado nos EUA… Havia muita coisa boa rolando. No caminho me deparei com um negócio muito  bom para quem quer aprender música, o songbook. Depois, fui estudar música. Primeiro, estudei com uma professora chilena. Quando vi que gostava mesmo do negócio, fui estudar violão clássico”, diz.

Após o retorno ao Brasil, com 12 anos, ela ingressou na escola e eventualmente chegou ao momento de escolher uma carreira universitária. “Eu queria estudar música. Mas, naquela época, no Brasil, fazer música ainda era algo para gente muito fora da curva. Fiquei preocupada que meu pai achasse que eu não queria estudar, que não queria nada na vida”, diz. Nesta etapa, os pais voltaram a morar nos EUA e ela foi junto, já com o objetivo de estudar música. Por volta dos 16 anos, encontrou um poema do irmão Antônio Cícero, musicou e mostrou a ele. O irmão gostou e os dois começaram ali uma parceria, que se estende até hoje. Aos 17 anos, assinou contrato com uma gravadora no Brasil. Ali a carreira começou a se estruturar. “Foi um caminhar que tem a ver com sorte, determinação e possibilidades no meio artístico, dentre outros fatores”, diz.

Em 1976, Maria Bethânia gravou o tal poema musicado, Alma Caiada. A censura prévia do regime militar impediu a publicação do fonograma. Em 1977, Gal Costa gravou outra canção, Meu Doce Amor. Em 1978, despontou como cantora por meio de um compacto que trazia Muito (Caetano Veloso) e Tão fácil (Marina Lima e Antonio Cicero). De volta ao Rio de Janeiro, lançou o primeiro LP, Simples Como Fogo em 1979, e se tornou a primeira a mulher a assinar um contrato com a gravadora Warner.  “Na época, a gravadora havia contratado o Tom Jobim, o Belchior e eu. Aí eu liguei para o Cícero, que estava nos Estados Unidos, estudando. Falei:  ‘volta, porque agora nós vamos fazer músicas para o disco que eu vou gravar’”, conta. O álbum não estourou, nem os três seguintes. “Nunca pensei em estourar de cara, ao contrário. Sempre pensei em criar a minha obra de forma coesa, com composições bem elaboradas, encontrando a melhor sonoridade, novos timbres e dando uma roupagem peculiar ao meu trabalho. Essa característica carrego desde o primeiro álbum até os dias atuais”, diz.

Em 1984, lançou o quinto álbum, Fullgás. A faixa-título, composta em parceria com o seu irmão poeta, abriu portas e novos mercados.  “Fullgás foi um divisor de águas na minha carreira. Ele instalou uma sonoridade realmente pop, com elementos retrô e outros. Fullgás é uma canção feita apenas no violão, bateria eletrônica, contrabaixo e um teclado. Eu meio que coloquei a minha experiência toda, de ter morado fora e escutado coisas diferentes. Quando cheguei no Brasil, tinha vontade de fazer coisas que eu queria escutar na rádio. Eu era ambiciosa, queria realmente fazer uma música de que gostasse de ouvir. Não estourei repentinamente, foi uma crescente de álbuns, buscando um estilo e encontrando uma linguagem. Então, no quinto disco álbum dominei tudo que queria. Foi um processo de amadurecimento, inclusive ouvindo pessoas que admirava musicalmente; Cazuza, Renato Russo, meu irmão… Enfim, cada pessoa tem uma história.”

Graças a sua mistura original, que incluía pitadas de pop, rock, blues, bossa-nova e música eletrônica, Marina enfileirou diversos hits em sua carreira, incluindo Pra Começar, À Francesa, Virgem, Uma Noite e ½, Pessoa, Acontecimentos, Eu Te Amo Você e tantos outros. Em 1986, uma de suas canções, Pra começar se tornou tema de abertura para uma novela das 20h, Roda de Fogo.

Devido a motivos pessoais, ela diminuiu a marcha dos shows durante a década de 1990. Mesmo assim, lançou trabalhos relevantes como os álbuns O Chamado e  Registros à Meia Voz.  Em 2000, lançou Síssi na Sua, e retornou aos palcos em um espetáculo de marcada influência teatral. Em 2001 ensaiou uma aproximação maior com a música eletrônica, e emplacou duas músicas em trilhas de novelas: No Escuro foi trilha da novela O Clone, e Notícias, da novela Esperança. Em 2003, lançou o Acústico MTV, que deu um novo gás em sua carreira. Em outubro de 2005, Marina estreou o novo show Primórdios com duas temporadas, por duas semanas em São Paulo, seguida de outra temporada em janeiro.


No total, lançou cinco álbuns entre 2000 e 2011. Clímax, de 2011, foi o primeiro cujas músicas foram compostas em São Paulo, cidade para onde ela se mudou no mesmo ano. O disco foi aclamado pela crítica e rendeu os hits Não Me Venha Mais com o Amor e Pra Sempre (composta e gravada com Samuel Rosa). Além de cair na estrada com a turnê do disco Clímax, Marina conseguiu uma indicação ao VMB 2011 na categoria Melhor Música com a faixa Pra Sempre. No ano seguinte, lançou o seu primeiro livro intitulado “Maneira de Ser”. No final de 2015, lançou o disco No Osso, registro ao vivo da turnê de voz e violão que realizou desde o fim de 2014. Em 2018, lançou o single Só os coxinhas, um funk carioca zombando dos conservadores.

Em outubro de 2019, o cineasta Candé Salles estreou o documentário “Uma Garota Chamada Marina”, longa-metragem gravado ao longo de dez anos (de 2009 até meados de 2019). O filme faz um recorte do processo de criação do álbum Climax e do processo de mudança para a cidade de São Paulo, além de compilar lembranças de toda a carreira. O documentário passou pelo Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade e teve algumas exibições especiais no Rio de Janeiro.

Já em abril de 2021, lança o EP Motim, o qual conta com quatro faixas, mixado e masterizado por Carlos Trilha e com a participação de Mano Brown em uma das músicas. O trabalho realça todos os elementos mobilizados por Marina durante sua trajetória, e o resultado é um álbum plural, diferenciado e atual.

“Acho que sou uma artista que tem um tripé: tocar, compor e cantar. O mais forte é o lado de compositora, é o lado no qual mais invisto.  Quando componho uma canção boa, fico fascinada. Penso que o talento não foi embora, continuo com essa musa aqui me ajudando ainda. Compor uma canção boa é tudo para mim”, diz.

Ela conta como lida com as mudanças que varreram a indústria musical. Quando lançou-se como cantora, nos anos 1970, as gravadoras cuidavam de muita coisa na carreira do artista. “Hoje, você tem que bancar seu disco, lançar seu single… O artista precisa chegar no público. Tudo isso são desafios de que eu gosto também. O que me faz sentir tesão pela vida é me sentir curiosa, atenta e misturar os elementos. Entender como está o mundo, para saber como posso traduzir isso no meu trabalho. O desafio dos nossos tempos é o que me mantém ligada nas coisas, são as bem-aventuranças da vida”, diz.

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.

Imagem acima: Cande Salle.