O nordeste brasileiro é um caldeirão de diversidade, expressa nos cinco biomas que se espalham por sua área de 1,5 milhões de quilômetros quadrados e na sua população miscigenada, fruto da complexa interação histórica entre europeus, negros e indígenas que se iniciou nos primórdios do período colonial. Desde então, essa complexidade só tem se expandido, ensejando tradições culturais que permeiam os costumes, a música, a culinária, a literatura, as festividades e muitos outros elementos que conferem à região uma identidade.
Nos demais estados do Brasil, é visível a incorporação de tradições originalmente nordestinas, principalmente, as festividades. Mas, ainda que o elemento cultural seja parcialmente valorizado, os brasileiros do nordeste também frequentemente são alvo de estereótipos e estigmatizações.
É este cardápio que orientou os debates na mais recente edição do Prato do Dia, o podcast da Assessoria de Imprensa e Comunicação da Unesp. Sentado à cabeceira estava José Leonardo do Nascimento, docente do Instituto de Artes da Unesp e especialista em estética e em história da arte e da cultura brasileira.
Nascimento recupera a atuação de intelectuais cujas produções exerceram impactos importantes na sociedade brasileira no século 20. É o caso do antropólogo Gilberto Freyre, autor de obras como “Casa-Grande e Senzala” e “Açúcar” que contribuíram para aprofundar o entendimento da formação histórica do Brasil, e do economista Celso Furtado, cuja atuação na presidência da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) espelhou uma visão desenvolvimentista que ainda inspira muitos.
“Muitas coisas são atribuídas ao nordeste. Mas, pelo que a gente percebe, as próprias preocupações dos governantes situam o nordeste como um espaço de carências. Um local onde se estabelece relações sociais, que tem uma certa diferença entre o litoral e o sertão, mas cujas dificuldades são maiores efetivamente no sertão”, diz o docente, analisando a origem dos estereótipos que são usados para discriminar as populações nordestinas.
Além da discussão sobre estereótipos, Nascimento enfatizou a capacidade exibida pelos artistas do nordeste para fomentar reflexões sobre as relações sociais. Um exemplo consagrado está na canção Disparada de Geraldo Vandré, que abordava a exploração dos sertanejos. Mas o rock da região se mostrou igualmente contestador, por meio do movimento Manguebeat, protagonizado por bandas como Chico Science e Nação Zumbi, que cantando denunciou a desigualdade e a pobreza nos manguezais pernambucanos.
O podcast abordou também o cinema nordestino. Ao analisar produções de grande sucesso internacional, como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Bacurau”, Nascimento destaca a força da representação do sertão como meio onde vivem cangaceiro heróicos e homens bárbaros. No entanto, pensa que a exploração artística desse sertão ‘mítico’ já estaria esgotada, o que estaria evidente a partir da produção de “Bacurau”. “O filme retoma o tema do sertão, mas com ornamentos. Trata de uma problemática contemporânea. É como se o sertão assumisse com as suas próprias mãos o seu destino”, diz.
Ouça a entrevista completa com José Leonardo do Nascimento no podcast Prato do Dia, já disponível em todas as plataformas de áudio.