Na última semana de novembro, entre os dias 28 e 29, o campus da Unesp em Araraquara sediou a primeira Mostra de Saúde Mental da Unesp. Parte do programa “De setembro a setembro”, que tem como objetivo a promoção de cuidados à saúde mental no âmbito da comunidade unespiana, a mostra congregou pessoas, trabalhos e experiências de todas as unidades da Unesp com o intuito de prover visibilidade e debater ações de promoção à saúde mental desenvolvidas por discentes, docentes, servidores e terceirizados.
Promovido pela Coordenadoria de Saúde da Unesp (CSUNESP), o evento foi um primeiro movimento para ampliar a articulação interna acerca dos debates sobre saúde mental conduzidos nas 34 unidades da universidade. O foco é dar início à elaboração de uma Política Institucional de Atenção e Cuidado para a Unesp, a ser construída com toda a comunidade por meio do acúmulo de reflexões, demandas e projetos. “Um grande desafio, que é bem particular da Unesp, está em organizar políticas em uma instituição que possui unidades ativas por todo o estado, e com realidades muito diversas”, diz Ludmila Candida de Braga, coordenadora da CSUNESP. “Converter políticas que ocorrem a nível local ou individual em algo institucional é sempre um desafio, dada a configuração unespiana.”
A fim de facilitar esse trabalho de articulação, a CSUNESP construiu, ao longo de quatro meses, uma plataforma digital intitulada Panorama de Saúde Mental da Unesp. A plataforma, que foi lançada durante a Mostra de Saúde Mental, apresenta os diversos projetos relacionados à saúde mental desenvolvidos no âmbito universitário e permite que os interessados absorvam as informações de maneira interativa. “Quisemos valorizar a pluralidade de temas, de pessoas e de experiências a partir de uma visualização gráfica das informações, por meio de tabelas, gráficos e mapas”, diz João Pedro Pereira Caetano de Lima, mestrando em Geografia na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, campus Presidente Prudente, um dos responsáveis pela criação do painel.
Objetivo é fomentar rede de cuidados
A plataforma foi concebida para permitir que pessoas interessadas em criar uma rede de promoção de saúde mental na universidade possam estabelecer conexões. Ao navegar, o usuário pode obter um panorama geral destas iniciativas na universidade, ou selecionar aquelas de seu interesse por meio de opções quanto a localidade, público alvo e temas abordados. Na parte inferior da página de navegação, o usuário pode encontrar o nome e o contato das pessoas responsáveis pela iniciativa, facilitando assim o contato.
“Acredito que o maior legado da plataforma seja, justamente, permitir que as pessoas se conheçam e articulem ideias”, diz o geógrafo Gitonam Lucas Tavares Honorato, que também colaborou na elaboração do painel interativo. “Organizamos uma forma diferente para abordar a questão da saúde mental na universidade, que deixa de estar centrada no aspecto do enfrentamento. O foco passa para o fortalecimento de redes de cuidado, com a possibilidade de criação de uma cultura de cuidado universitário”, diz Honorato.
Saúde mental: uma arena complexa
Repensar a abordagem das questões de saúde mental não é uma tarefa trivial. Parte da dificuldade está no próprio conceito de saúde mental. Ele não apenas não é unificado, como apresenta nuances para cada indivíduo. Segunda a definição da Organização Mundial da Saúde, “saúde mental é um estado de bem-estar em que o indivíduo realiza suas capacidades, supera o estresse normal da vida, trabalha de forma produtiva e frutífera e contribui de alguma forma para sua comunidade”.
Flávia da Silva Ferreira Asbahr, representante da comissão científica da Mostra de Saúde Mental, afirma que pensar na ideia de um “estresse normal”, envolve uma análise contextualizada, que parte da realidade social, econômica e emocional de cada indivíduo. Esta perspectiva dificulta uma concepção generalista de saúde mental, aplicável a toda uma população. Afinal, “o que é normal para um, pode não ser normal para outro”, diz Amanda Caroliny Costa da Silva, representante do Programa “De setembro a setembro”.
Mesmo assim, Amanda diz que é possível identificar padrões que evidenciam se uma pessoa está passando por um estresse fora do habitual. “Por exemplo, se um estudante vai fazer uma prova, é esperado que apresente sintomas de ansiedade. Mas deixa de ser considerado ‘normal’ quando, diante do estresse, ele não mais responde de maneira funcional. Funcional não só no sentido de produzir algo, mas também porque passa a sofrer com a tarefa, o que lhe impede de seguir sua rotina”, explica. Para Ludmila, nos últimos anos a Unesp tem prestado mais atenção a esses desafios. “Hoje, a principal causa de afastamento por motivo de doença entre trabalhadores são os transtornos mentais. Em especial, aqueles conhecidos como ‘transtornos de humor’, como a ansiedade e a depressão”, diz.
A médica observou também um aumento no número de estudantes da Unesp com relatos de sofrimento psíquico e transtornos mentais, e explica que parte desse crescimento se deve aos avanços científicos do campo, que resultaram em melhora nos diagnósticos. Flávia associa esse crescimento também às ações de inclusão que a Unesp tem desenvolvido. Segundo a docente, que é coordenadora do Curso de Psicologia da Unesp, campus Bauru, embora a adoção das cotas tenha assegurado a entrada de estudantes com um perfil diferente daquele que a universidade recebia historicamente, estes novos alunos não contam, necessariamente, com apoio suficiente para assegurar sua permanência no curso.
“É muito bonito acompanhar o processo de inclusão e permanência do ponto de vista mais formal. Mas ainda não conseguimos alterar certas práticas para, de fato, incluir os alunos”, diz ela, e aponta como exemplos a falta de cursos de nivelamento para graduandos e a ausência de estágios adequados para estudantes de cursos do período noturno.
No horizonte, a construção de uma política institucional
A organização da Mostra de Saúde Mental e a disponibilização da nova plataforma são também instrumentos para escutar as demandas da comunidade unespiana, em todos os níveis, no campo dos cuidados em saúde mental. “Entendo que houve uma decisão institucional: queremos enxergar esse problema com todas as faces e desafios que ele traz para a universidade”, diz Ludmila. “Ainda estamos no início da jornada de construir uma política institucional de cuidado, de olhar para a saúde de todos, dos nossos estudantes e dos nossos trabalhadores”, corrobora Amanda. “Vejo que há uma mobilização e um movimento de articulação coletiva para começar a pensar em saídas e em formas de rever essas relações institucionais.”
A plataforma continuará sendo atualizada com novas experiências na área de cuidados com saúde mental que venham a surgir na universidade nos próximos anos. O foco é a valorização da pluralidade de saberes e vivências. “Essas diferenças podem ser consideradas como um recurso de enfrentamento às problemáticas da saúde mental” diz Juliene de Cassia Leiva, psicóloga e representante da comissão científica da Mostra de Saúde Mental. “Porque não há só uma maneira para lidar com determinado problema. Existem muitas possibilidades distintas, e devem ser articuladas para atuarmos de maneira mais efetiva.”