“Amoroso”, biografia de João Gilberto escrita por Zuza Homem de Mello, é marco na produção sobre o artista

Viúva do autor e colaboradora da obra, Ercília Lobo explica o processo de produção do livro, que desmente estereótipo do músico como homem ranzinza e apresenta passagens e personagens que compartilharam sua vida movimentada, da Bahia ao Japão.

Amoroso — Uma biografia de João Gilberto é o título do livro que está sendo considerado a biografia definitiva do genial baiano de Juazeiro que mudou a música brasileira ao se tornar um dos criadores da Bossa Nova. A obra foi idealizada e escrita pelo também célebre musicólogo, jornalista e pesquisador musical Zuza Homem de Mello, e foi lançada pela editora Companhia das Letras.

Amoroso relata passagens e episódios da vida do músico pelos mais diversos cantos do mundo, de Salvador a Tóquio, passando por Nova York, Rio de Janeiro e Cidade do México. Nesse trajeto, o leitor acompanha João pelos estúdios, teatros, bares, clubes e festivais por onde circulou, e trava conhecimento com os compositores, arranjadores, instrumentistas, produtores, jornalistas, técnicos de som e empresários que cruzaram seu caminho.

A produção do livro de Zuza contou com uma participação especial: a produtora Ercília Lobo, que por muitos anos foi mulher e parceira profissional do autor. Ercília acompanhou o jornalista nas viagens para fazer pesquisas e entrevistar fontes, revisou textos e fez seus apontamentos. Zuza faleceu apenas quatro dias depois de ter colocado o ponto final na obra. Coube a Ercília, então, trabalhar ao lado da equipe de editores da Companhia das Letras para arrematar o texto.

 “É importante dizer que é um livro sobre João Gilberto escrito pelo Zuza. Mas claro que li e reli várias vezes. Após a partida do Zuza, trabalhei de forma muito próxima à editora na finalização”, conta Ercília. “Apenas eu e ele sabíamos que o título seria, possivelmente, Amoroso. E por fim, mesmo com tudo que ocorreu, surgiu uma obra muito amorosa”, relata.   

A produtora ressalta que o livro tem potencial para agradar tanto aos que tem grande apreço por música quanto aos que são menos entusiasmados, além de contribuir para desmistificar a imagem de ranzinza que alguns colaram em João Gilberto.

“A obra enfoca a genialidade de João; suas características artísticas, seu violão e jeito de tocar, por exemplo. Mas também mostra que ele não era essa pessoa intransigente e ranzinza que muitos pensam. Ao contrário, era extremamente sensível e de uma percepção musical incrível.”

Homenagem a João, mas também à Zuza

Ercília ressalta que, devido ao fato de Zuza ter sido amigo de João Gilberto, em diversos momentos o autor também se torna protagonista da história. Vale lembrar também que Zuza Homem de Mello vivenciou intensamente tanto a música brasileira quanto a norte-americana, em especial o jazz. Estudou nos EUA durante a década de 1950, e à noite freqüentava os clubes e pubs, onde teve o privilégio de prestigiar de perto nomes como Thelonious Monk, John Coltrane, Aretha Franklin e Jim Hall entre outros. Zuza foi músico, operador de mesa de som, radialista, escreveu livros, jurado de festivais e realizou diversas atividades relacionadas à música.

“Em linhas gerais, o livro passou a ser uma homenagem ao João Gilberto e também ao Zuza. Em diversos pontos, o Zuza também é protagonista. Claro que tudo que está escrito é fato, tudo foi extremamente checado. E o Zuza tinha muita coisa em casa, em seu próprio acervo. Porém tem sempre um carinho a mais. Você percebe, no decorrer do livro, que permeia uma vontade do Zuza em mostrar que João Gilberto foi isso e que havia amizade e consideração mútuas”.

João nos deixou aos 88 anos, em julho de 2019. Zuza seguiu-o aos 87 anos, em outubro de 2020. Mas a obra e a contribuição cultural desses dois gigantes da música brasileira permanecem. “Acho que o grande legado desse livro é mostrar que João Gilberto foi realmente um artista de extrema importância, um marco na música brasileira. Ele possibilitou que o samba pudesse ser tocado por pessoas de fora do Brasil, algo que não conseguiam antes dele. O livro mostra que João é muito mais do que os atrasos, mais do que as idiossincrasias. João Gilberto é mais do que tudo isso.”

Escute a íntegra da entrevista no Podcast Unesp.